Acidente de trânsito
Acidente de trânsito
Tal qual um caminhão desgovernado, descendo a ladeira,
Frases feitas, insípidas, colidem com ébrias expectativas.
Vítimas adolescentes, amores sem vida, são retiradas dos escombros.
Uma providencial chuva de verão apaga as marcas do ato:
Na manhã ensolarada, a dama de batom vermelho faz ressoar os seus passos ritmados,
Recados codificados, endereçados ao observador postado na janela.
Sonhos que se querem eternos, cadáveres enfileirados, na fria rigidez do asfalto.
A chaminé da fábrica entra em operação, o camelô, esfregando os olhos de sono,
Apregoa as suas quinquilharias. O cheiro de pão, vindo da padaria, impregna as narinas;
Na praça deserta, o pregador demente anuncia o fim do mundo aos gritos.
Atrás da árvore, um casal de namorados, alheio a tanto conflito, troca um beijo sem final.
A normalidade se instala, ocupa o lugar do abandono – o coro dos contentes ensaia prá mais um dia.
Quando eu era ainda uma criança, e me sentia muito triste, corria para a beira do rio Gongogi, aonde ficava olhando as águas plácidas por horas e horas. O canto da correnteza, logo acima, me trazia de volta a paz, da qual, por instantes, eu havia me divorciado.
Terras de São Paulo, manhã da primeira Sexta Feira de Fevereiro de 2010
João Bosco