A Porta

Havia aranhas que quase me alcançavam.

Por todo o quarto, agora eram ratos,

os dentes afiados, os olhos severos;

várias serpentes pequenas, bem finas,

se aproximavam da cama, subiam.

O calor era intenso, a janela fechada,

sol fervendo no vidro.

O cobertor me escondia, só a cabeça de fora,

só a cabeça de uma serpente aos pés da cama,

logo depois eram dez ou vinte.

Dou um salto, me acho na porta,

a fechadura não abre, elas vão me morder.

Faço força, faço; grito – ai.

A porta se abriu e eu acordei.

Levo a mão à cabeça,

parece que estou me olhando

com a mão na cabeça. Os olhos abertos

encontraram no chão a roupa rasgada, suada;

me enxergo no teto e me arrepio,

um vazio no estomago,

mas não tenho fome.

Estou é querendo sair desse quarto.

O quarto do sonho é o meu de verdade;

na minha idade não sei me esconder,

não sei me virar, não sei é viver.

Mas saio à rua, mesmo assim.

O dia é claro, sol bonito,

e dentro de mim, mais nada.

Percebo o sol, mas não o sinto.

Não rio. Passa um garoto e olha pra mim,

parece que ele me reconhece finalmente,

parece que sou alguém de verdade,

alguém como todos os outros,

sendo ele o meu espelho;

no garoto vejo a minha cara, o meu cabelo.

Olho para cima, o céu é tão claro

que sumiu a vontade de correr que eu tinha

quando era um garoto também.

Por que cresci, por que sou agora alguém

de verdade, e de ninguém?

Gente grande também solta pipa.

Mas será que posso comprar um dez dos grandes?

Falaram que eu jogava bem,

um dia fiz um gol que me deixou todo o domingo contente.

Aguardente não bebo, cigarro não fumo,

em cavalo não jogo e no bicho também;

maconha aprecio, não fui muito além.

Semana que vem, se alguém me encarar,

eu fujo de mim, não posso ficar...

Mas a porta se abriu

e me achei deitado numa cama estreita.

Nuvens eram meu teto,

e minha cabeça, maior que meu corpo.

Percebia, agora, sim,

alguma coisa lá dentro de mim

que na hora da dor desapareceu...