O Apagar da Individualidade
Figuram numa grande distância passos
que ficaram perdidos no passar do tempo.
Marcas de quem tinha objetivo de chegar
ou simplesmente tinha desejo de andar.
Nisto existindo o despertar de esclarecimentos,
mas também a tortura de lembranças vivas.
É um cérebro que se curva
à grande atividade de ideias e pensamentos,
ficando angustiado.
É a fragilidade do corpo
que parece não suportar a inquietação do tenso espírito.
São quadros que se formam, um após outro,
com lembranças dos porões da memória.
Mesclam-se na face a tentativa de serenidade mental
a debater-se com confusas emoções.
Pressente um envelhecer prematuro,
algo estranho ante a juventude ainda não vivida.
Velhas mágoas parecem revitalizar-se,
convertendo uma certa tristeza em amargura.
Não consegue igualar-se em alegria
aos tantos outros que parecem felizes com a vida.
Imagina-se como uma espécie
de um ser inerte em meio a outros,
cheios de movimento.
Os dentes da boca funcionam
como barreiras às palavras duras
que invadem a garganta.
Existe um incômodo estado interior,
uma alta tensão subcutânea que esgota aos nervos.
Desejaria além da limitada visão dos olhos,
almejaria com olhar desvendar o futuro.
Um febril delírio,
estranhos sonhos que se misturam com pesadelos,
dores da alma eterna.
Avançam os espaços da imaginação
com suas ilusões sobre a limitada realidade cotidiana.
Talvez veja homens trajados de terno e gravata
a dançar com velhas figuras mitológicas.
É nesse conflituoso jogo cerebral
que se busca uma solução
que parece perder-se no vazio.
O raciocínio move-se aceleradamente,
querendo fugir do corpo que conclui ser muito lento.
Falta harmonia entre as partes
que constituem o ser,
está prestes a uma hecatombe individual.
Imagens vorazes fluem como
que fotografias instantâneas
que enchem sem cessar o cérebro.
Surge um desequilíbrio neurológico
e os pulmões arfam na busca de ar, como se sufocados.
Um momento crítico,
agudas dores pontilham toda a extensão do corpo
que se sente exausto.
A sensação de tudo estar por frágil fio
e nesse sentir haver algo de profundamente familiar.
Os ouvidos estão perturbados,
creem ouvir sons desagradáveis no choque das nuvens.
Enche-se de impulsiva irritabilidade,
pressente forte agressividade, uma árdua competição.
Assim é que vê que o azul do céu e o branco
das nuvens querem devorar-se mutuamente.
É com amargura que reconhece
que essa imagem reflete a velha e a atual humanidade.
Gostaria de fugir, de rejeitar viver aquele momento,
deseja que fosse possível desaparecer.
As pernas, entretanto, recusam-se a se movimentar.
Domina-lhe um pesado abatimento.
Deita-se sobre o solo, abandona-se na horizontal.
Fica ali, escravo de densa imobilidade.
E de instante para outro
todas as cores do quadro
vão ganhando um tom de cor areia.
E a cor domina, transforma todas
as figuras da imagem
em partículas de fina areia.
E esta vai dizimando-se até
transmutar-se em poeira,
até chegar a estado de ínfimo pó.
A criação de um deserto.
Um riacho tenta surgir, mas logo seca,
a aridez é intrépida.
Nem o azul do céu, nem o branco das nuvens.
A areia a ambos devorou, sem piedade.
É quando surge, de surpresa,
uma turbulência que gera revoltoso e forte vendaval.
É movimento de massa impalpável
sobre a fraca solidez do relevo das figuras de pó.
É com fúria guerreira que no seu bafejar
vai aniquilando a tudo que está à sua frente.
É o vento que carrega toda areia
que agora é apenas insignificante pó.
É o vento que a tudo leva.