BICHO-HOMEM

Sou bicho do mato, no mato nasci.

Nasci bicho-homem, humano cresci.

Cresci com a mata, ditoso vivi.

Vivi com os bichos, do homem fugi.

Fugi pelo rio, correntezas desci.

Desci ribanceiras, das pedras caí.

Cai no vazio, vazio senti.

Senti calafrios ... “Meninos, eu vi!”

Eu vi papagaio falando inglês,

Vi as aves sumindo de vêz,

Vi os bichos levados pra morte,

Vi os vivos chorando seus mortos,

Vi os mortos deixados para trás.

Eu vi fumaça apitando na serra,

Vi a mata caindo por terra,

Vi o rio em chamas ardendo,

Vi as águas secando o chão.

Eu vi o fogo lambendo o céu,

Eu vi o céu se despencando,

Eu vi a terra ferida de morte,

Em seu leito socorro clamando.

Vi pobres homens sorrindo a cantar,

Embriagados, caindo no chão,

Que nem a mata, na serra tombada

Pela miséria de pobres mortais.

Vi homens ricos em pranto sorrindo,

Pela demência tombando sem chão,

Que nem a mata, na terra caindo

Pela ganância de deuses mortais.

Com a cara na terra descansam

Sob a sombra que ainda restou.

Eu vi a vida, eu vi a morte

Cantando juntas a mesma canção.