Mal-assombro
Ah! Quanta beleza e mistério o casarão alcança
nos porões apodrecidos; conheço desde criança
a história da velha casa fechada no matagal,
pra onde a gente fugia com medo do temporal.
Um dia depois da chuva, ali brincavam guris,
e foi quando apavorados, fugiram até bem-te-vis;
mas eu por curiosidade, olhei na porta uma brecha
e vou contar o que vi, pra ver se a história fecha!
Ouvi pisadas de botas, ouvi até o tropel
de uma cavalariça, passou uma dama de véu
com o rosto todo coberto; andava rangendo as tábuas
do assoalho no salão e ali chorava suas mágoas.
Cometera um infortúnio 50 anos atrás.
Foram rezadas missas, que descansasse em paz!
Toda a casa foi benzida, certa feita, por um bispo
que ostentava uma cruz que ia deixando riscos
nas paredes, nos móveis; fumaça vinha dos panos,
acendiam-se velas, tocava por si o piano.
Paranormais chegaram com aparelhos modernos
capazes de medir a temperatura do inferno.
Usaram câmeras zoom, lentes, monitor de prana,
detector de ectoplasma; acharam até pestana
de um pirata desdentado e papagaio no ombro.
Reviraram toda casa, remecheram os escombros
do alicerce pra ver se caveira tinha,
subiram no campanário com alarmes, campainhas,
entrevistaram o caseiro, saiu na televisão
até foto do cachorro que era amigo do anão,
um quase bicho do mato que morava numa furna,
vivia como morcego, dormindo atrás duma urna.
Mas depois de tantos anos, não sei o fim que tomou.
Virado por grandes matos, o campanário tombou;
da madeira toda podre, os cupins fizeram festa
e hoje além das hostórias, só uma alma resta
que vagueia no cruzeiro que ficou lá na clareira
e acena a todos que passam, querendo que alguém lhe queira.