As flores estão famintas
Após a estação das chuvas,
durante a estação das brumas,
pacientes e coloridas
elas aguardam.
No impulso do vento austral,
a certeza da direção.
Migramos em formação de cunha
e elas despertam.
A probóscide úmida
percorre o sulco.
Em vão procuramos as últimas
da mais rara espécie.
Em vão seria também
retornarmos da jornada.
Elas nos chamam com ardor,
elas nos chamam pelo ar,
zumbimos e circulamos
mas nos chocamos contra o vidro.
Lúdicos labirintos
desviam-nos de nosso alvo.
O canteiro da alma e o seu perfume,
envolto em ervas daninhas,
não abafa o clamor agudo
da expectativa e da FOME.
Há quem não as ouça:
o sono do sentimento
gera assassinos.
Súbito raio de luz nos eletrifica.
Colocamo-nos a postos,
estátuas lavradas e erigidas
há várias milhas do seu destino.
Os campos estão lavrados:
é a vez da irrigação.
Os campos crescem,
as cercas desaparecem,
as cores e os aromas
dominam o mundo;
explodem o firmamento em derradeira aurora
e dominam os mundos.
Eis a extensão do chamado,
a grandeza do anseio.
Dispositivos fálicos
projetam miasmas enevoados;
estruturas nucleares tremem
e enlaçam-nos com seus apêndices;
grãos de pólen meteórico
pousam nas saliências labiais.
(Nossas essências florais
impulsivas e meditativas.)
Uma é a escolhida,
mas quem fecundará o céu?
A primavera retilínea hiperespacial
abre suas níveas pétalas
– espiraladas, elípticas e irregulares.
O abismo nos suga
até a câmara metamórfica
e, finalmente,
o canteiro da alma goza
após eras e eras
de dolorosos refazimentos.
Podia ser verdade.
Poderia ter sido verdade.
Poderá vir a ser.
Você tem o fluido.
Só você tem o fluido vital.
Não as deixe morrer!
Não as deixe morrer!
Elas estão famintas,
não as deixe morrer...