Fluxo
Busco algo que as palavras não podem alcançar.
Barulhos desconexos preenchem a casa, incompreensíveis...
Clamo pelo ardor que não me é permitido apesar de senti-lo, apesar...
Pesa, sim, pesam a mão e os dedos, o ar pesa, passa com dificuldade por dentro de mim e então torna ao nada de onde veio, eu me desfaço em nada para sempre, me desfaço,
Criatura efêmera criatura que se esvai, a morte me preenche e quando eu não mais for, não mais,
Quando nada mais pesar, então, quando a existência com sua carga insuportável não pressionar mais meus frágeis ombros que ficam no topo de um corpo débil que não passa de receptáculo de horas imprecisas e horrores imundos pertencentes ao real hipócrita dos homens,
Quando a matéria perder sua configuração mais pretensiosa e arrogante, vil, quando tornar ao inumano, quando tornar, ah!, que alívio então, não ser, como alivia a perspectiva misteriosa que a consciência não pode alcançar, que alívio que só se pode sentir na espera, jamais quando consumado,
Pois não serei, apenas, não serei e o alívio de nada servirá, não há que haver alívio, nem palavras, nem dor... vai-se então, vão-se todos, esfumaçados, e os sentidos se vão, e as memórias e os prazeres e as necessidades e os sofrimentos, tudo nulo, tudo vão,
E não importa, afinal, se viver é vão e é na própria nulidade que reside a mais vasta precisão de existir, viver enfim sem razão, viver e que a vida corra ao desconhecido e se esparrame, espalhe-se sobre as coisas tolas com um sorriso frouxo e leve, sem esperar, sem entender, derrame-se sutilmente ao que delineia o mais puro acaso...