O BARCO DAS ILUSÕES

Fito o barco a desprender-se do cais

levando todos meus sonhos,

a buscar farrapos de ilusões

Com a alma tecida de espanto

dispo a minha realidade

em um cantochão

Faço das docas meu templo

— banho-me em bacias de bronze

em danças de querubins

Siga, barco,

a procura de adamastores

com seus místicos astrolábios

Desvenda ilhas de jade e

encontra teu destino torto!

Assanha insetos e leões

em tuas derrocadas!

Deixa-me largado na areia

cercado de pedras, a traduzir

as bifurcações dos meus sentimentos!

Quero gemer os partos indivisos,

lavando e esfregando o fero fogo

em pétalas incandescentes

No torvelinho desse braseiro

e nas ossadas expostas de razões,

procuro as meretrizes doutros sonhos

Em vão!

Digladio entre touças do jardim

ferindo o braço,

desencavando máscaras sotopostas,

incensando o porão e o sótão,

mordendo lábios que gotejam ais,

me dando sem medidas com plenitude e abundância,

bebendo um copo do amargo mar

De mãos dadas com a aurora e a tempestade,

palmeio leques de céu laminado de chumbo

Na boca, o gosto de cravo,

saliva grossa de outras águas

em cataratas a escrutinar o sabor das harpas

Que se desgrenhe e desalinhe

em formas abstratas!

Siga, barco,

teu caminho incerto por desconhecidos mares!

Carrega no teu bordo minha viola muda!

Evapora em placas disformes nas curvas do horizonte!

Deixa que o braço, o cais, o jardim, as touças

me devolvam o cristalino e doce ouro!

Deixa-me só

com as mãos envernizadas

a despertar segredos!

© Fernando Tanajura