Surto

Fecho meus olhos e pinto seu rosto,

como contornos cegos em dia de chuva,

pingos de prata no invisível em um azul 3D,

estendo minha mão para tocar o vazio,

há um portal que me leva à outra dimensão,

caminho sentindo meus pés sobre o nada,

abaixo de mim há uma cidade flutuante,

não tenho medo de cair, apenas sigo,

poderia ser um sonho ou um delírio,

estar sob o efeito de algum calmante,

anestesiando sentimentos revoltos,

experimento um psicodelismo dos anos 70,

sonhos materializando-se como vontades,

cartas de um baralho só com coringas,

perguntas circulam ao meu entorno,

não há respostas coerentes para loucuras,

um barco me espera para cruzar o céu noturno,

velas são içadas sem qualquer vento à comandá-las,

não existem tripulantes para me acompanhar,

a jornada é solitária para um rumo desconhecido,

a paisagem do caminho faz inveja em Dalí,

flores gigantes brotam de prédios de concreto,

uma fonte jorra borboletas amarelas em profusão,

mariposas em miniatura tomam um chá na cafeteria,

talvez esteja num período de surto, questiono-me,

mas para quê buscar explicação para tudo?

ás vezes é melhor apenas sentir do que desistir,

e nesse momento não há dor, não existem lágrimas,

sua lembrança conduz o astrolábio da nau de um perdido,

é tudo que me completa e que me ancora num sentido,

não procuro razão, lógica ou matemática, estou bem,

até quando? Não vou contabilizar sensações,

o porto já pode ser avistado entre as brumas,

e lá você me espera com um sorriso que já é suficiente,

acordaremos juntos desse sonho ao som do despertador?

Estarei atado à uma camisa de força num hospício urbano?

não há mais tempo para pensar nisso,

os minutos escorrem como areia entre os dedos,

meus olhos permanecem cerrados e meu coração aberto,

e se isso me aproxima de você, é tudo que me basta...