Quisera eu ser por fora toda coração...

Quisera eu ser por fora toda coração

E deixar a carne e a pele escondidas

Experimentaria todos os sentimentos

E sentiria verdadeiramente todas as sensações

Transpiraria todas as emoções!

Deixaria para dentro as superficialidades

As inutilidades que são as coisas mundanas

Porque já não me basta o que sou:

Ser humano comum, descartável por completo.

Tantos sentidos: olhos, boca, ouvidos,

Funcionando para quê? Para nada!

O que realmente vale está trancafiado

Em um peito, caixa anatômica encadeada.

De que me serve um coração guardado?

Que não vê, não toca e não ouve.

Que não sente, mas inventa e mente.

E sofre com os próprios engenhos.

De que me serve uma alma enclausurada?

Ela existe? Sente? Está mesmo em mim?

Por que não se sobrepõe a meus tecidos musculares? (inúteis!)

E não me prova que deveras existe?

E que deveras sentiria como deve ser sentida

As melhores sensações de que é feita a vida?

Arrepiaria minh’alma o brilho da lua

(Que em minha pele apenas iluminaria)

Ouviria todo o amor que há na canção dos pássaros

(Que comumente meus ouvidos escutariam)

E saberia receber todo o calor da humanidade

Que meu corpo humano comum e banal

Deixaria passar despercebido...

E é assim que farei, quando os céus se confundirem,

Terra e mar se juntarem.

Serei eu Deus! Serei deusa, e recriarei a criação!

Pisarei toda a humanidade reles,

A humanidade vil, pobre e destituída de sentimentos.

E os farei todos apenas coração!

Todos alma e fluidos!

Sentimentos, sensações, estímulos.

E a vida valerá a pena.