Sinhazinha
Silvânia Mendonça Almeida Margarida
Outubro de 2000
Lar distante
do lado do mar azul.
O olhar fixo no chão
bate humilde no pé;
o fumo, o olhar vazio,
como a estender os braços
num grande campo de luta.
E pessoas com conquista,
a mando de papas e cleros
agiam livremente
em nome da Santa-Fé.
Pé esfolado da “escravidão”.
Escravo velho, velhinho,
já não servia os sinais,
as marcas de propriedade,
as fugas dos ‘‘cativeiros’’.
Também já não carregava
consigo,
as imposições soberbas
do seu feitor ou senhor.
O açoite, o chicote,
as algemas, as chibatas,
as correntes, os libambos,
as galheiras, as golilhas,
as golinhas,
calcetas e palmatoadas
no meio do seu lugar,
instrumentos de punição.
Um tronco, um pelourinho
e muitos urubus.
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Os ferros em brasa,
as perebas feridas,
feridas doentes,
nunca curadas,
supliciados da execução.
Longas cruzadas
dos ímpios e decadentes...
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Para os seus,
as máscaras de Flandres
e, às vezes,
a pedra sabão,
para dizer
“Cala-te a boca”.
Como sempre
a temer o “Banzo”,
o pavor e o castigo:
atos de suicídio.
Companheiros que
sem acreditar
na luta da igualdade
ingeriam terra
diariamente
provocando
morte lenta.
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Ataques
que lhe eram impostos
em cadeias sem lares,
sempre querendo retrucar:
“Fique aqui, não merece,
não merece nem senzala,
vergo “vegro”,
negro esquecido.”
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Sem o acréscimo de misericórdia,
sem qualquer motivo de menção,
sem precisar onde estava a fé,
calado fica sem pestanejar;
a boca pesada nos liames da dúvida.
O coração parte,
batendo no peito,
bem apertado,
mesmo assim,
a pedir perdão,
sempre perdão
por aquilo que não fez,
e por tudo que deixou de fazer.
Olha a imagem posta
em pequena capela
do grande engenho da fazenda,
entre o açude e o casarão.
Acalenta aos que sofrem o amargor.
Fala de alegria e entusiasmo.
Esquecendo as algemas
e os grilhões da dor
de pobre escravo jogado ao léu.
Liberdade que foi comprada,
encarcerada, torturada,
levada ao nada pela escravidão.
Chora pelos amigos.
Chora pelas raízes.
Pede clemência
através da tristeza.
Encara a linda imagem
de rosto quebrado.
E uma nesga se abre
no azul do céu.
“Sinhazinha,
Mãe de Deus,
Mãe de Jesus Cristinho,
preto velho aqui está,
neste mundo esquecido,
corpo velho enrijecido,
neste mundo apedrejado.
Mas agradeço à Sinhá do Céu
por tudo,
paz e compreensão,
a força do seu amor,
a coragem do meu perdão.”
“Compadece deste velho,
que por direito divino,
dado por seu filho,
Nosso Salvador,
veio à vida arrebanhar
companheiros da jornada,
que a Sua Claridade Celestial
possa sempre me ajudar.”
“Confio na ajuda divina,
sem esquecer o desesperado,”
compreendo os ignorantes,
aqueles que me escravizaram.
Suplico, ao mesmo tempo,
para que Deus favoreça
àqueles que *“sufocaram
os germes da Sua Luz.“*
Acontece, Minha Senhora,
tô cansado, tô doente,
o seu velho escravo
não deu conta de
uma missão tão ardente.”
“”Meu Filho,
*”O Amor sempre
cobre a multidão
das dificuldades.”*
“A missão que lhe dei
por fim está terminada.
Estou aqui para lhe atender.
Faze parte dos meus rebanhos,
levado em coro de anjos.”
*”“Segue-me!...
Eu lhe darei a chave
para conheceres os arcanos
da consciência pura,
senão os mistérios
do amor verdadeiro.”
“Dá-me sua mão,
que se sentirá
seguro comigo,
na explosão da fé
que marca na sua vida
os sinais da felicidade.””*
e,
para todo sempre,
a verdadeira liberdade.”
Silvania Margarida