POEMA CARTA DE UMA ALMA AMBÍGUA
Te solta perante o vazio imenso da existência
e deixa-te solta só para ver onde vais cair,
ou quando ou até mesmo se cairás...
Mas tem de se soltar, enquanto cais aproveita
e colhe os frutos maduros a beira do teu precipício.
Voas no teu céu como um pássaro sem asas.
Queima teus sentidos nas chamas impetuosas
do tanto de verão que há no fundo,
prepara-te o corpo ao inverno que congelará
cada movimento enquanto o vento
fará-te em ébrios gritos de emoção
Desejar a paixão dos loucos poetas.
Não faça medidas do abismo em que caíres
pois quanto mais fundo mais infinito,
curta cada instante por que é curto.
Abra os braços e sorria ao tempo,
tenha como companheiro a solidão
mas não deixe de atender aos anseios do corpo.
Não desespere se durante o percurso
o abismo torna-se mais estreito,
junte entre os dedos à areia fina que arranhará tua pele
e acredite no teu potencial que sobreviverás.
Muitas pessoas passar-te-ão tão rápido
que imaginarás que são estrelas caídas
ou pedras que lhe são jogadas,
mas haverá quem se emparelhe contigo
nem se for quando já estiveres no fim do infinito
e este alguém ter-te-á como estrela
e tu será a luz do seu abismo,
juntos seguirão até o fim
mesmo que fiquem com os olhos fechados.
Quando então teus sonhos cessarem, e as sombras
tentarem de uma vez por todas cerrar os teus lábios
e dominar teu invólucro passageiro,
saiba que neste momento cairás de vez, que lá
a matéria ficará e uma mão terna se estenderá para subires nela,
tu não te reconhecerás, contemplarás teu novo “EU”,
e verás que uns estarão a rir e outros a chorar,
quando subirdes agarrada aquela mão sentirás um calor nostálgico
pois muitos daqueles apressados que viste cair ficarão chorando
mas depois vem em demasia a alegria, que teu sorriso será sol,
ali ser-te-á explicado o complexo da existência
e saberá que nunca de fato existiu. Colocar-te-ão em teu peito
um novo coração que nunca se cansará,
teus lábios de novo se encherão
e teus olhos enxergarão além do horizonte,
o universo todo será teu novo caminho,
teus pés de antes sofridos e calejados agora passearão
entre as constelações mais belas, teus dedos serão enfeitados
pelos anéis de saturno, e teu pescoço pelos cordões de galáxias,
e lá no final de tudo, começo do que não sei explicar
lembrarás daquela voz que sussurrava versos de acalantos,
que por muitas vezes não te deixaram definhar, talvez dirá
que estava sempre contigo, e saberás que minha existência
não passa de um rascunho sobre este fim,
de palavras que ecoam sobre teu pensamento
sempre a servir-te, que minha vida foi promulgada
a amar-te sem fim e tão intensamente, tão puramente
que em verso transformei-me,
um verso que apenas tua alma notava,
palavras que foram escritas somente para ti,
então encontrará no final do universo
transcrito em substancialidade
numa alma que te espera,
da qual ouvirás que sou um poeta, nascido junto a ti,
que tive os olhos abertos por tua beleza,
durante noites e dias chamava teu nome
mas tu não me ouvias, tu olhavas pra baixo
e não pro lado, eu não tinha coragem
de aproximar-me e dizer que estavas de ti enamorado.
Algo devorava-me o peito, tanto que sofri
imutavelmente até perde-me em sonho,
tanto que esqueci que caía, e te acompanhei sem noção
de que ao te acompanhar já existia,
velava teu sono dos corvos
que dilaceravam a minha carne, não a tua,
eu precisava te proteger de qualquer forma, e tu sorrias
de uma forma tão pura que esquecia da dor que sentia,
eu enxugava tuas lágrimas antes de caírem dos olhos,
e as minhas lágrimas latejavam por me consumir
entre o desejo de amar-te e medo de perder-te,
tu nunca me conheceste, eu era invisível para ti,
tu procurava aquele que estendia a face para descarregares tua ira, só pelo prazer de te ver se sentindo bem depois, tu não entendias quando chovia e tu não te molhavas, eu protegia-te para que água não pudesse fazer-te adoecer, mandava meu espírito
na forma de uma folha que caia suavemente
aos teus ombros, a força do meu amor dava-me forças para escalar o abismo e colher a flor mais bela
que tu envolvia nas tuas cálidas mãos,
quando vinha um arco-íris envolver-te
e perplexa tu nada dizia somente sorria
saiba que era meu amor que o gerava,
compus incessantemente para você,
extingui a poesia o quanto pude
suguei-a até que minha própria vida se perdeu
nas entrelinhas do mundo poético,
transmutei-me em palavra, descobrindo
que poderia assim acompanhar-te sempre.
E fui muitos para saciar-me o desejo de estar contigo,
desde o perfume que te envolvia,
fui o suor que descia em teu corpo, mas sempre ponderando, para não manchar tua alma.
E quando dei conta, alguém te havia chegado,
e vi dentro dos mistérios que nem tu conhecias
que ele te fazia ficar mais feliz e ao mesmo tempo
limpava a mancha que minha ausência insólita te trazia,
chorando tive que sorrir por você, por mais ninguém.
nem sequer ali como em nenhum momento me ausentei.
Tu que me trazia o rosto para enxugá-los
Quando ele te machucava, mas eu via enquanto ele
Fazia-te sofrer também sofria, até que fostes embora de uma hora pra outra, vi-te sendo levada e por muito sofri,
Eu fiquei, e fiquei, aprofundei no verso tentando te encontrar mas tu não estavas, então quando fui embora
Já não tinha mais prazer em existir, tanto que ao ver-me triste Aquele que me levou perguntou-me:
“Que desejas tu poeta solitário?” em bravas súplicas
pedi-lhe sem olhar o rosto: “Não sei se existi,
mas reconheço que somente senti-me quando a Bela Dama estava aqui, quando partira levou-me junto, e agora
não sou mais eu, rogo-te com meu coração conceda-me
ser um verso, escreva-me no tempo, para que eu possa viajar sobre as brumas de néons, e que este verso
conte tudo o que passei, que possa falar a bela
e esconda-o no final do universo, lá me tranque
pois a mim não adianta nada existir assim,
e só liberta-me quando por força inconsciente
do amor que lá plantei a bela me ache e diga se
este eterno servo pode a servir... Enquanto isso a guarda com todos Teus anjos e querubins.”
E tu após ler tudo, com a mão no coração,
deixa cair livremente tuas lágrimas que originarão novos mundos e libertos povoaremos de poesia e amor,
Junta tuas mãos as minhas para cantarmos um hino de paz.
E tu me fará feliz, seremos carta e corpo, verso e desejo.
Até finalmente o criador brilhar entre nossas faces nos transformando em poemas felizes, elevados a amor perfeito
E nosso amor será lembrado pelos poetas posteriores...