Disritimia

Quando uma palavra me assalta

é salto que do abismo sustento.

Então é possível o poema,

palavra de poesia

a inutilidade que se sustenta!

Mas todo ato de criação é uma infâmia.

Mal atarraxas os braços multiplicam-se dedos

e já querem tocar o inatingível.

Sobre meus ossos a mais pura agonia:

eis que sou o sonho de uma borboleta

transida de vôo.

Mas estou presa no ventre de uma larva

que se nega a me parir com asas.

Hoje só o ofício da lâmina me interessa.

Sou daquelas que amarra guizos

nos tornozelos para disfarçar

o uivo de um coração trânsfuga.

De viver sobrevivo e ainda respiro

do interior de um par de asas...

De pássaro só me resta o desassossego.

À sombra do grande vôo me abrigo

de um amor que tive e partiu.

Partiu meu coração

e foi morar na saudade.