ENTRE GOLES E MEMÓRIAS
Ainda sinto, de leve,
o gosto do último trago
como quem guarda no paladar
um pedaço do que foi.
Campari, vodka, martini,
cerveja gelada nas madrugadas,
e às vezes, pinga.
Cada gole, um tempo.
Cada copo, um amigo.
Cada mesa, um pedaço de mim.
Lembro da fumaça que lancei há quarenta anos,
última tragada como um ponto final
escrito sem arrependimento.
Não me recrimino.
Fui o que fui.
Ciclos.
Infância da alma,
aprendizados em copos suados.
“Tudo posso, mas nem tudo me convém.”
Hoje, sei o que me basta.
Naquela época, bastava estar ali.
Botecos eram templos,
a noite, confidente.
Amores breves,
rostos esquecidos,
gargalhadas e silêncios.
Gente sem rumo,
mas com alguma poesia.
Não sou melhor por ter mudado,
sou apenas outro.
O mesmo em essência,
mas com outra sede.
Agora busco em outras fontes.
Novos prazeres,
outros hábitos,
outras dores.
Velhice tem gosto de chá morno,
mas também de lucidez.
Sigo por outra estrada,
sem negar os atalhos.
Carrego histórias
que me ensinaram
a diferença entre cair e descansar.
Entre cara e coroa,
fiquei com a sabedoria
de ser apenas um coroa
que já foi noite,
mas hoje é manhã.
Tião Neiva