Você tinha música.
Eu tinha as palavras
e um enorme silêncio.
Você tinha graça e alegria.
Eu tinha a sisudez de olhos caídos.

Você tinha polifonia de sustenidos.
Enquanto eu contava os bemóis saltitantes
a beira do abismo...


Você tinha as cores da palheta
repletas de arte e lirismo.
Eu tinha a tristeza crônica
com certo tom esquisito.

Éramos opostos.
Perplexos.
Paradoxais.

Você sabia meu nome.


E, eu nem o sabia o seu.
Apelidei-lhe de orvalho
Pois vivia suado e
com gotículas penduradas na face.

Eu disfarçava minha timidez.
E, você esgoelava sua presença.
Tingida na tez
e nos cadernos.

 

Minha letra era bonita
A sua letra era uma garatuja
Indecifrável.
Um dia, me entregou um bilhete.

 

E, então: conheci o significado
do que seja enigma...
Você sorria lépido.
Enquanto eu franzia a testa...
quase num surto epiléptico.


Anos passaram.
Nos desencontramos.
E, depois de meio século
nos reencontramos.
As reticências.
O abismo.
O enigma
 Todos naufragavam na memória.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 20/11/2024
Reeditado em 20/11/2024
Código do texto: T8201492
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