O MORRO DOS NEGROS
O MORRO DOS NEGROS
Quando o sol emergente e cálido refulgia
Aspergindo, em profusão, raios dourados
Sobre o horizonte azul sereno e alongado,
Do peitoril ocidental, à frente, eu refletia
Do monte hórrido os mistérios, enlevado.
Imperscrutáveis foram os seus enigmas;
Esplêndidos, intocáveis os seus tesouros
De encantos vários; áridos e duradouros
Sonhos deram-me sua beleza e estigmas;
Místicos eram os seus feitiços sedutores.
E deleites sublimes pairavam-me à visão
Dos taludes íngremes, vista montanhosa;
As árvores encopadas, a relva orvalhosa,
Hermética e imponente, a viçosa elevação:
Morro dos Negros, tosca efígie temerosa.
Feição dissimulada de deuses proibidos;
De distantes orixás obscuros e evocados,
E vindos ao clamor das vidas ali ceifadas
Do negro esperante, lúcido e perseguido,
Regando, a sangue, seu sonho obstinado.
Tem a grã-vigia ao sopé, a larga proteção
À liberdade, o sonho do negro confiante;
À dignidade negada, apelada e irradiante;
Às vertentes límpidas em ditosa provisão,
Qual sede insaciada de justiça, esperante.
Oh, cômoro dos negros, símbolo sagrado!
De teus aclives, emergiram-se suntuosas
Estradas tão amplas, sinistras, pavorosas;
Em lustrosas diligências ricas e douradas,
Passaram, sãos, teus algozes glamurosos.
No ventre insondável do teu corpo lesado,
Por sonharem, iludidos, serem cidadãos,
Fulminaram homens à margem da razão.
Quem guardou da utopia o senso elevado
Deu tributo de sangue à tão nobre ilusão.
Nas penedias escuras grifadas a carmim,
As marcas funestas, um sangue inocente,
Caído às tenazes rubras, corpos ardentes
Ao martírio do tronco, à tortura e, assim,
Se escreve da história, capítulo indecente.
No ar, o clamor inaudível dos resistentes;
No prontuário, a morte, a sorte imerecida;
No tempo, a história horrenda esquecida;
Nas ruas, a multidão alheada, indiferente;
A ignorância, a cálculo certo, construída.
Inscientes, todos desatentos se adonaram
Da indiferença mórbida, ingênua, anuída.
A visão da montanha sorveu-se, excluída,
Ausente o morro que do mapa o retiraram;
Perdeu-se a memória, a história destruída.
Do vulto místico, fascínio e trágico temor
Ao corpo mágico, então oculto e, por certo,
Tímidas e raras alusões, remotos excertos
Fazem menções restritas em tímido fervor
E evocam pálidos e vãos valores, incertos.
Encômios fortuitos de curiosos reverentes,
E diferentes olhares forâneos e condoídos,
Volvendo um passado distante, esquecido,
Exaltando do morro o seu valor imanente,
Registram, na história o fato, estarrecidos.