BERNARDETTE
Bernardette
Por que abandonaste
Garota ruiva
de olhar sonhador
Os salões de Paris?
Que obscuro motivo
Te fez trocar sedas
por uniformes,
E Pierre Cardim
por coturnos?
Que impulso incomum
Te fez vir
Da França ao Sinai?
Aqui, neste buraco de morte,
Teus cabelos de fogo
Sujos de areia e pólvora
Demarcam teu rosto sardento
Coberto de graxa e cinzas
Tuas mãos,
feitas para acariciar,
e serem acariciadas,
Como garras ferozes,
hoje crispam-se no fuzil.
Teus olhos de céu,
Anuviados de fumaça e cordite;
Entre lágrimas percorrem
Buscando uma saída,
O horizonte em chamas...
Ambos corremos no deserto,
Como dupla de aço,
Por cima de ossadas
Semeando morte e horror
E pássaros infernais
Com ovos mortais
Nos presenteiam...
Nossos amigos,
Como almas penadas,
Lealmente nos seguiam
No meio do enxame
De vespas de chumbo
Zunindo nos ouvidos.
Fomos amigos sinceros
Nas noturnas tréguas.
Melhor não seria
Se do mesmo ventre
fossemos nascidos.
Uma fera eras na guerra
Como fostes no amor.
Fomos feras carniceiras
Nos amando com fúria
na areia sangrenta.
Nos arranhamos
com couro e fivelas,
Com botas e armas,
Com roupas grossas...
Até o clímax atingir...
Na explosão de vida
No campo da morte.
Lado a lado ficamos
Abraçados na areia
Até o horizonte em chamas
E o céu noturno
com vaga-lumes de aço
Nos devolver
À dura realidade.
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Janeiro 1974
Sinai - Egito.
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Páginas da Memória - Livro Inêdito.
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