O som do sino
Quisera que o tempo morresse,
e me esquecesse nesta calçada,
de onde, nas badaladas, posso contar
as horas, que a história abraçada
a mim, insiste em passar.
O tilintar do sino cristalino,
Dá ao tempo cadência constante;
Passado... presente... futuro...
E eu, esquecido e pequenino,
Quisera que morresse no escuro,
Todo porvir; ficasse apenas este instante.
Pois quando o som por mim passa,
Vai ele se embalsamando,
No ar da noite recém-chegada,
Se assentando, meio sem graça,
Tinindo, sumindo, se acabando,
Como uma prece ao céu rezada.
Como um poema vai o som a flutuar,
Sobre este povo itinerante,
Rutilante, cada um com seu matiz,
Buscando a virtude no ato de rezar,
Com o som do sino; um viajante,
Que busca o silêncio da matriz.
E quando eles soam desiguais,
Em um compasso grave e agudo,
Vão, lentamente, morrendo no poente,
Guiando os passos dos desiguais,
Carregando um esquife surdo,
Ao som do choro de um parente,
São assim as despedidas amortalhadas,
Que os sinos anunciam em suas badaladas.
Por que, tempo cruel, me mantiveste vivo?
Como um passageiro de um trem veloz,
Deixando lembranças que não se esquece,
E o pesadelo do retorno sempre ativo,
Como o som do sino em uma voz,
Que não se vê, mas se sente e reconhece.
Hoje os sinos já não bradam mais,
Fui seguindo seu som e me afastando,
E, sem querer, me afundei na quietude,
Tão distante, sem poder voltar jamais,
Outros sinos continuei escutando,
Não foi, para mim, nenhuma virtude.
Nenhum deles, novos, se anuncia,
Com sonoridade tão espiritual,
Que parece viva alma pelo espaço,
Em pleno sonoro grito de agonia,
Pelo ar rarefeito numa prece virtual,
Indo, se afastando em seu cansaço.
Quero voltar, e ao som do sino seguindo,
Até chegar de volta ao meu lugar,
Encontrar com o tempo nas badaladas,
Que deixei gravadas quando era findo,
O som do sino que me fez feliz por lá,
Num sonho, nesta calçada estagnada.
E no meu antigo lugar ficar ouvindo,
Passado... presente... futuro...
E quando os dois sinos replicarem,
Um som grave e um agudo seguindo,
Quero estar presente e seguro,
Até que todos os sinos se calem.