MUNDO EMOLDURADO
MUNDO EMOLDURADO
era da janela
da porta da sala
que o mundo lá fora
se apresentava a mim
menina baixinha
em pé na cadeira
espremia o rosto
na gradezinha pintada de cinza
e era de lá
que a rua de paralelepípedos
escancarava o brilho do sol
janelinha que se abria para dentro
e trazia a gargalhada
que eu sabia
era da meninada da rua
do que brincavam?
não sei
eu não via
parava bem em frente de casa
o vendedor de biju
que antes de ser visto
se anunciava no tlaque-tlaque
da sua passagem
e era a corneta de borracha vermelha
de cano brilhante
que me dizia
no seu tom seco e único
ei menina vai um sorvete aí?
o comprador de jornais e ferro velhos
subia e descia a rua
meio cinza e encardido
confundia-se com sua carroça
e com o céu
da São Paulo da garoa
eu via
dali da janelinha da porta
quando o peixeiro chegava
o cheiro, as escamas, o rasp-rasp da faca
era o choro do peixe morto
pesada na balança de peso incerto
lá ia a sardinha enrolada no jornal
era um espetáculo após outro
num piscar de olhos
ouço passos atrás de mim
mamãe com duas garrafas de vidro
anunciava o fechar das cortinas
vai menina, sai daí que o leiteiro chegou
sai cadeirinha
fechada a janelinha
a porta se abre
mas o portão não é pra menina não
recolhido o leite
recolho-me
em lembranças que me acolhem
o resto do dia
é um vai e vem de porta se abrindo
é um ruído de dobradiças cansadas
minha janelinha descansa
do trabalho matinal
de mostrar o mundo lá fora
para a menina que não sabe nada mais
além daquilo que vê
através dos arabescos da pequena grade
enfim em mim
ficam traços
de apenas
saudade
Biguleto