POR MUITO TEMPO
Minha avó entoava uma cantiga de fé,
Preparava a canjiquinha,
(Era o que tinha),
No fogão a lenha,
A fumaça se espalhava pela cozinha,
Não havia chaminé,
Não havia nada, quase,
Naquele barraco sem base,
Ornado pela brenha,
Na Vila Fazendinha.
Eu ouvia aquela canção bendita,
Assistia aquele cenário,
Minha avó era muito bonita,
A rainha daquela colina,
Parecia uma menina,
Dentro do vestido estampado,
Os desencontros da sina,
Não desencantaram o seu estado.
Enquanto o cheiro do alimento,
Penetrava nas minhas narinas,
Eu alimentava o meu imaginário,
Me via em outra geografia,
Em outros momentos,
Distante daquela periferia,
Daquela inglória luta,
Da pobreza absoluta,
E via minha avó Dalila,
Estendendo tranquila,
O seu olhar de majestade,
Via um lugar com dignidade,
Onde a realidade, não pesasse tanto,
Não entristecesse o canto,
Ascendente do dia após dia.
Minha avó com o semblante risonho,
Me trouxe de volta do sonho,
Ao imponderável ali,
“-Vem cumê meu fi,
Antis qui a cumida isfria”.
...E a miséria continuaria,
Dando as boas vindas,
Por muito tempo ainda.