LEMBRANÇAS DE MINHAS AVÓS

Perguntaram de minhas avós

Comecei a lembrar delas

E como acontece sempre

Lamentei não saber mais

Minha avó paterna se chamava

Maria Esperança Morato

Uma espanhola de expressão séria

Que sempre parecia brava

Mas eu sentia

Que tinha alguma coisa

De muito doce nela

Nunca conheci ninguém

Que roncasse tão alto

Ela não se casou por amor

E no dia do casamento

A caminho da igreja

Numa espécie de procissão

Em que ia o casal

Familiares e convidados

Passavam pelo cemitério

E ela disse ao quase marido

“Eu preferia estar indo para lá

Dentro de um caixão”

Não sei se nesse momento

Pela surpresa da declaração

Ou em outro trecho do caminho

Meu futuro avô espirrou

E ela disse: “Mariarosetaogue”

(Era assim que eu, criança, ouvia)

Minha mãe traduzia como

“Maria José te afogue”

Eu ainda era criança

Quando meu avô morreu

Depois de sofrer muito tempo

Com um câncer terrível

Ela cuidou dele até o fim

Sem ajuda e sem reclamar

Eu sempre ouvia alguém dizer

Que minha avó viveria muito tempo

Porque “A Esperança

É a última que morre”

Minha avó materna

Se chamava Lourença Caldeira

Fazia o melhor curau do mundo

E todo legume que ela cozinhava

(chuchu, abobrinha, beringela, etc.)

Tinha ovo mexido no meio

Que ela quebrava e misturava

Quando estava quase cozido

Ficava muito bom!

Como tinha irmãs mais novas

Ela não ficava em casa lavando

Limpando e cozinhando

Como era comum às mulheres

Desde muito nova

Ia à roça com o pai e os irmãos

Onde trabalhava “de sol a sol”

Plantando capinando colhendo

Quando já estava moça

Se apaixonou por um rapaz

Que a pediu em casamento

Mas o pai dela disse

Que ela não podia se casar

Antes da irmã mais velha

Então o rapaz de quem ela gostava

Casou-se com a irmã dela

Não sei quanto tempo depois

Apareceu o meu avô

E ela se casou com ele

Meu avô parece que também

Não era um rapaz comum

Daquela época

Porque quando se casou

Minha avó não sabia

“nem ferver água” como se dizia

E meu avô sabia até costurar

E ensinou tudo a ela

Não sei se minha avó e meu avô

Se amavam quando se casaram

O que sei é que quando ela morreu

Ele se recusou a continuar vivendo

Deixou-se definhar

E poucos meses depois

Morreu também

Essas são minhas lembranças

Que nem sei se estão certas

Provavelmente não

Divina de Jesus Scarpim
Enviado por Divina de Jesus Scarpim em 02/09/2023
Reeditado em 02/09/2023
Código do texto: T7876553
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