Infância na Fazenda

Mamãe acorda cedinho.

Ouço seus passos pela casa grande,

na maioria das vezes se concentrando na cozinha. De repente, sinto aquele gostoso aroma de café feito num bule antigo, com pitadas de amor e carinho.

 

Da cama, minhas narinas vão sorvendo aquele cheiro adocicado sempre com as atenções voltadas na conversa de mamãe com as sinhás que, vez ou outra, dão puxadas no cachimbo, impregnando toda a casa com aquele cheiro forte de tabaco.

 

Enrolado em uma capa, feito bicho-da-seda no casulo, esperando pacientemente a transformação em crisálida, escuto todos os sons da natureza. Até o baque seco da porteira, no alto da fazenda, faz bem aos ouvidos.

 

No vai-e-vem daquela manhãzinha gostosa

Morfeu me embalou em um sonho encantador. Sonhei que voava nas asas de um pássaro gigante em um voo desconcertante, produzindo um friozinho no ventre.

 

Do alto, ele mostrava-me as matas virgens, os açudes, o engenho, os bichos em suas empreitadas naturais e o homem no esforço de sua lida. O carro de boi,

produzindo um chiado glamouroso, cortava a estrada estreita, sob os olhares vigilantes da mãe natureza.

 

O sereno daquela manhã se depositava em minha pele fina e dormente, se espalhando nas asas frondosas daquele pássaro belicoso. Que voo maravilhoso!!!!

Não quero acordar!!! Os passos de mamãe rompem meus ouvidos e aquele pássaro, aguerrido, disse-me "é hora de despertar".

 

Acordo com mamãe afagando meus cabelos, retirando do canto dos meus olhos sereno cristalizado pelo voo angular.

Da janela, tudo estava como nos sonhos, e a natureza sorria para mim.

O dia seria proveitoso!!!

 

Catava ovos dos amigos passarinhos e corria pelos caminhos, quando alguns marimbondos insistiam em importunar.

Tomava banho nu no açude e pescava nos córregos estreitos da fazenda,

com direito a sanguessugas grudadas à pele. Oh, mundo maravilhoso!!! Só faltou o pássaro gigante.

 

A noite vem caindo, tingindo de escuro tudo que brilha. Meu sono vem a cavalo, só parando para descansar no fogão a lenha daquela majestosa casa. Mamãe e as sinhás contam-me histórias de fantasmas.

Meus olhos se arregalam. Tá na hora de sonhar.

 

Mamãe lava-me os pés e me conduz à cama. Com jeito maternal, canta baixinho cantigas de ninar e eu, sorridente e sonolento, espero ansioso o pássaro retornar.

Marcos Botelho
Enviado por Marcos Botelho em 19/06/2023
Código do texto: T7817806
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