Reminiscências
Loja de quinquilharias.
Abstraído com esferas coloridas nas mãos.
Década de 1970.
Pés descalços no chão.
Quintal de terra a céu aberto.
Parque de diversão.
Meninas pulavam unidas.
Corda, cantiga, animação...
Meninos empinavam pipas.
Bolas de gude, bilboquê, ioiô, “cela” de pião.
Gamers mesozóicos.
Joysticks eram as mãos.
Em vários pontos das ruas.
Formavam-se multidões.
Crianças de todas as partes.
Juntavam-se ante aos portões.
Maria mole, pé de moleque, pirulito, paçoca, cocada, “cocô de rato”, suspiro...
Aff! Suspiro de emoção.
Glicose não era aferida.
Nem por Cosme, nem por Damião.
Corríamos para todos os lados.
Onde houvesse aglomeração.
Sacos com doces sortidos.
Eis a grande premiação.
A noite trazia a quietude.
Findava a peregrinação.
Aflitas as mães sorriam.
Crias voltavam da “dura” missão.
Sujos, cansados, fedidos...
Como carvoeiros no exercício da função.
Depois do banho forçado.
Era hora de exibição.
Vasilhas repletas de doces.
Troféus de velada competição.
Bolinhas ainda fitadas.
Mente em divagação.
Funcionário da loja me aborda.
Sustada a elucubração.
Entreguei-lhe as esferas de vidro.
Lembrei de urgente medicação.
Freguês de antiga farmácia.
Insulina sobre o balcão.
Antídoto guardado no bolso.
Veneno se torna obsessão.
Recorro à antiga bodega.
Boca aguada de coração.
Abóbora açucarada.
Envolto em papel de pão.
Saudade não saciada
“Repeteco” de coração.
Caminho de manso para casa.
Avisto estranha agitação.
Tumulto em torno de carro.
Crianças estendendo as mãos.
Pacotes distribuídos.
Motorista e carona anciãos.
Penetro em meio à “muvuca”.
Mostrando dois dedões.
Alego dupla de netos.
Justifico aquisição.
Escapo ileso da massa.
Com dois saquinhos nas mãos.
Surpreso fiquei com a data.
Memória em deterioração.
Acta e Passio sejam louvados.
Médicos por compaixão.
Gêmeos das guloseimas.
Populares santos cristãos.
Para muitos brincadeira.
Para outros devoção.
Rito que escasseia.
Sequela da evolução.
Cultura asfixiada.
Risco de extinção.