TROVAS PARA MARIA ANGELINA
Fiz a memória de uma viagem,
Recordando em aura cristalina,
A justa e humana homenagem
Da distinta Maria Angelina.
Casa do Alto & Maria Angelina
De Guimarães, em Nespereira,
Uma só alma diamantina
Bem perto da Casa da Beira.
Foi o berço de Raul Brandão
Entre as letras e a tosca enxada
Traços na tela, com devoção
Alma nos livros empenhada.
- Anda bem cedo, Francisquinho,
Eu quero a tua companhia
Pra transitar pelo caminho
Nesta manhã qu´ stá tão fria.
- Aí vou, dona Angelina amiga,
Por esta madrugada escura
Irei buscar-te, sem fadiga,
E iremos à Igreja com ternura.
Tu moras no meu coração,
O catecismo me ensinaste,
E na primeira comunhão
Minha fiel madrinha ficaste.
Era assim todo o santo dia,
Do cantar do galo, por sinal,
Rosto alegre, sem fantasia,
A nossa vivência habitual.
“Ite missa est” proclamado,
Depois da missa coadjuvada,
Na Casa do Alto costumado
Cevada com leite preparada.
E, quer chovesse ou ventasse,
Com frio ou com invernia,
Se minha madrinha chamasse
Far-lhe-ia sempre companhia.
- Francisquinho, s´ hoje tiveres vagar
Passas este dia aqui comigo?
Há livros do Raul pra arrumar
E eu, sozinha, não consigo…
- Por acaso não tenho aulas, não,
Em Guimarães hoje é feriado…
Ficarei para te dar a mão
Deixando tudo bem arrumado.
- Olha, naquela prateleira,
Pega este pano, tira lá o pó…
“Portugal Pequenino” aí à beira.
É meu, mas não o escrevi só.
Foi o Raul que mo ajeitou
Num dos seus dias de outrora…
E assim o meu nome ficou
Como s´ eu nascesse escritora.
- Gosto muito deste teu livro,
Do Russo e da Pisca também;
Passo meus olhos como um crivo:
Quem me dera escrever tão bem!
- Mais abaixo, outro livro meu
“Um coração e uma vontade” …
Este escrevi-o todo – todo eu! –
Memórias da minha saudade!
- Eu gostava muito de o ter.
Se a Madrinha tiver um a mais…
Será bom, se mo oferecer
Pois um dia ainda serei arrais!
- Levas este, sim… e assinado
Por esta minha mão generosa,
Assim estará mais estimado
E terás uma prenda preciosa!
Recebi o Livro com fervor,
E, com ele, ternurento abraço;
Quem sabe se não serei escritor
Com mais ou menos embaraço…
Da Casa do Alto até à Beira –
Cerca de mil metros, talvez –
Instâncias de mim fizeram ´steira
Num belo Sonho de freguês!
Na Casa do Alto o tempo voou,
Decénio que nunca esquecerei,
Minha barca, essa navegou
Naqueles mares que transitei.
Maria Angelina foi timoneira
E uma maestrina de aventura;
Não sei que é feito de Nespereira
No seu testemunho e Cultura…
Maria Angelina Brandão,
Semeou-nos de norte a sul
Traços de cultura e tradição
Na Alma viva do seu Raul.
Frassino Machado
In INSTÂNCIAS DE MIM