Perolazinhas - Poesia em 4 atos
1º ATO: O FOGO
Nós, nossa pudiquez,
acabamos todos
nus.
Nus no meio da roda de gente,
Nus em pleno palco.
Nossas roupas,
nossas máscaras,
desfazendo-se diante de nós,
transformadas em cinzas.
O que nós deveríamos fazer,
já que estávamos ali,
tão nus?
Sem nossas mentiras,
lançados à fogueira,
e agora?
Um calor que nos consumia,
queimava o sangue na face,
transformava-nos em incêndio vivo,
quando preferíamos ser o de sempre.
Vieram as chamas,
brasa por brasa,
extremidade à outra.
Não éramos mais o de sempre
e nem sabíamos mais ser.
Éramos o novo,
o imprevisível,
o interessante.
2º ATO: O AR
E então respiramos.
Respiramos, finalmente!
Depois de tanto tempo,
respiramos!
Queríamos ganhar altura,
queríamos mais e mais,
ficamos ansiosos,
percebemos que havia mais!
Nós giramos!
Como um pião,
como o mundo,
como quem vive,
pulsa e sente,
nós giramos.
Alguns de nós caíram
e até sentiram medo.
Medo... Que medo?
Pois tão logo reergueram-se.
E os que antes caíram,
agora giravam,
giravam, giravam.
E eles ficaram enormes,
viraram guerreiros
cheios de coragem!
Ganhamos o mundo
antes tão encolhido,
represado em uma só palavra:
o mísero "EU".
E o que fizemos, afinal?
Nós bricamos!
Brincamos de pega-pega,
de ciranda, de faz-de-conta.
Brincamos porque é assim
que se faz de verdade.
3º ATO: A ÁGUA
Ganhamos corpos nossos.
Ganhamos um espaço.
E nele poderíamos viver nossos sonhos,
tornar-nos fluidos.
Poderíamos sentir.
Limpamos nossos resíduos.
Resíduos de mundo lá fora,
sujeiras da alma.
Tantos cantos empoeirados!
Queremos o neutro!
Buscamos o neutro!
Nós aprendemos a ser tela em branco,
pintor e pintura.
Marionetes de nós mesmos,
bichos de qualquer espécie,
seres por inteiro.
Nós queremos estar aqui e agora,
e nada mais.
4º ATO: MÃE DE TODOS - A TERRA
Nós crescemos.
Como a alma da árvore,
que desabrocha aos poucos
e nunca morre.
Finca raízes
e busca o céu.
Na areia, na lama,
na aridez.
Na rigidez da rocha.
Somos algum desses?
Nós éramos todos,
embora lutássemos sempre
contra algum.
Mas agora nós estamos juntos.
Abrimos os olhos,
e vemos que somos tudo.
E nos tornamos um pouco de cada um.