Viagem
Viagem
Réstia de Sol colore meu chão:
dessa luz transbordam
lembranças de viagem
que começam num cemitério
De uma cidade longínqua
De dia, desviávamos o olhar
À noite fugiam luzes
enxotadas das sepulturas:
Espetáculo de fogos- fátuos
Eu tinha mêdo de três coisas:
Da morte, da mulher- fantasma
E da mulher doida
Essa levou- me pela mão
até a porta de sua casa
O sobrado proibido
Enquanto primos zombavam
do meu destino
selado naquele dia :
cuidar das loucuras de gente
(infinitamente mais interessantes)
Na mesma ladeira
Onde moravam os primos
Atiravamo- nos lá do alto
Em carrinhos de rolemã
E ralávamos nossos joelhos
O padre da cidade largara a batina
Para casar- se com uma prima :
Lembro- me do bolo branco
Coberto com fitas largas de coco
E dos cochichos e comentários
Maldosos de comadres
Que à boca pequena diziam:
"Vergonha, um padre, vergonha!"
Mas minha vida era imensa
E cabia num pomar de laranjas
Onde construímos cabanas
Que despencavam em nossas cabeças
Minha vida era imensa
E cabia no cinema da cidade,
na matinée ou na boléia de um jeep
Fazendo corso de carnaval
Deitar- me no alto de uma grande pedra
Numa noite fria e estrelada
Onde bilhões de estrelas
Brilhavam em nossas retinas
Minha garganta amanhecia doendo
E me davam pastilhas Valda( as legítimas):
Verdes, açucaradas , ardidas
Como minha infância
Marcia Tigani