A VIDA É UMA PELADA
Sou de direita, sou de esquerda,
Jogo na frente ou na zaga,
Corro ao centro, volto atrás,
Às vezes pego no gol
Ou não agarro nada,
Fico de gandula, espero a vez,
Nem sempre sou o escolhido,
Mas quando escolho, escolho bem.
Tinha uma bola de capotão,
A bola furou, se perdeu,
A bola me garantia um lugar,
Se vou jogar, bola tem,
Se não posso, não empresto,
Chama Chris, que bola tem!
Chama Chris, que ele vem!
Com camisa ou sem camisa,
Prefiro com camisa,
Às vezes jogo descamisado,
Às vezes com kichute,
Às vezes descalçado.
Quem sobrou é o juiz,
Não tem apito,
Então vai no grito,
Joga a moeda pra cima,
Cara ou coroa?
Campo ou bola? Escolhe.
Começa a pelada,
É moleque pra todo lado,
Cola aqui atrás!
Fica na área, não sai!
Seu juiz, olha o banheirista!
Marca ele, cabeção!
É falta! Bola na risca!
Não foi não, juiz ladrão!
E começa a confusão,
Nem poderia me meter,
Sou pequeno e magrelo,
Fraquinho, mas não amarelo,
Corro para o meio do fuzuê,
Camisados e descamisados
Xingam, se ofendem,
Razão, cadê você?
Trocam socos e pontapés,
Os dois lados se misturam,
Os mais fortes ficam em pé,
Os da esquerda e os da direita
Nem sabem mais porque brigam.
Corro pra me proteger,
Isso não tem motivo de ser!
Uma das mães resolve aparecer,
Chama o seu filho
E manda pra casa de imediato,
O moleque leva um sopapo,
Mas tapa de mãe não dói,
Outra mãe vai ao campinho,
Ela grita com o Juninho.
Ah se a minha aparecesse!
Nunca mais me deixaria
Jogar com os vizinhos,
Quer saber? Ganho nada!
Vou pra casa almoçar,
Deixo a molecada,
Que essa briga não vai acabar!
Cadê minha camisa?
Não consigo encontrar,
Mas nem o meu bamba
Eu posso achar,
Se chegar em casa assim
O que vai ser de mim?
Como vou dizer: Mamãe,
Na confusão não me meti,
Porque pra mãe
Nem adianta mentir.
Quer saber uma coisa?
Tô caindo fora
Sem camisa, tênis ou bola,
Se eu não for agora
O bicho vai pegar,
O couro vai comer!
Aconteça o que acontecer,
Vou ter que me explicar,
Castigo vou receber,
Mas tudo vai passar
E se um pouco eu sofrer
Tudo bem, vou superar,
Mas antes que eu desapareça
O Testa grita pra mim:
“Hei, não vai mais jogar?
Vamos continuar!”
Olho pra trás,
O Maguila faz um sinal com a mão,
Não tem mais confusão,
A pelada vai prosseguir,
O Galo indica minha posição.
O placar está cinco a cinco,
É preciso desempatar!
Minha mãe vai me matar,
Mas à partida vou voltar,
Então os times vão virar,
Trocar os lados do campo,
Mudamos as posições também,
De zagueiro uma canela acertei,
Para a lateral direita eu fui,
De artilheiro nunca joguei,
10 a 9 terminou o placar,
Quase deu pra empatar,
Mas tá todo mundo feliz,
Menos o juiz
Que reclamou por não jogar.
Adversários não somos mais,
Todos misturados assim,
Nenhuma rixa tinha sobrado,
Talvez algum pé inchado,
Combinávamos o próximo jogo
Sem time definido,
Pois na vila era desse jeito,
Até nas brigas
A gente era unido.
Ninguém era fanático,
Se um dia era futebol
No outro voleibol,
Meninas jogavam também,
Gostoso era a partida
E o encontro da meninada!
E toda gente amiga
Era bem vinda à nossa pelada.
A gente amava
De verdade a liberdade,
Amava a possibilidade
De jogar de qualquer jeito
E, mesmo se tinha defeito,
No jogo havia oportunidade
E crescia a amizade!
Se perguntassem: “Quer dinheiro?”
“Sim, é claro que a gente quer!”
Se perguntassem: “Quer saúde?”
“Sim, é claro que a gente quer!”
Se perguntassem: “Quer morrer?”
“Não, a gente quer é viver!”
Se perguntassem: “Quer prisão?”
“Não, ser livre é o que se quer!”
E a gente seguia jogando,
Pois a vida é sempre uma pelada
E somente com livre arbítrio
Pode-se permanecer na jogada,
Às vezes ganhando,
Muitas vezes perdendo,
Às vezes como dono da bola,
Às vezes esperando sua vez,
Às vezes caindo,
Mas sempre levantando,
Às vezes a gente se trombava
E até se machucava,
Mas livre e espontaneamente
O desafio a gente topava.
Aberio Christe