Silêncios

Silêncios.

quanta coisa desaparece para sempre como o primo

com quem dividia as goiabas da casa da avó e que sempre foi mais alto e forte

seja nas tardes em que estourávamos com os dedos os buracos de caranguejos filhotes

seja na noite em que estouraram com a faca três ou quatro órgãos do seu ventre na praça

em que ele comprava crack do dono do bairro pouquíssimo interessado na televisão do tio na geladeira da cunhada

dia ou outro me pergunto se chegou a oferecer o presente que eu dei quando éramos moleques

e o que o traficante dissera para rejeitar o pen drive cheio dos roqueiros emotivos

talvez não valesse, bem verdade, nem o preço de duas buchas de dez

o trabalho de uma tarde selecionando linkin parks e charlie brown jrs para ouvir em casa depois de todos irem dormir

hoje mais mortos que o próprio primo

que sobreviveu às facadas mas foi embora fugido

e nunca mais mandou um oi.

J Sant Ana
Enviado por J Sant Ana em 29/04/2020
Código do texto: T6932353
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