Um adeus incompleto

Tu não pertences a esta cidade

interligada a outra cidade

por uma ponte

sobre um rio

que observado

lembra lama

e abandono

Tu não pertences a esta população

de cultura mista

com sotaques diversos

em meio ao trabalho maçante

em meio a indiferença

dos que caminham

pelas ruas

Confesso

que sinto algo próximo

da paixão

por ti,

confesso que aceitei tua ausência

e a amar-te sozinho

como um garoto

com um telescópio

apontado

para uma constelação aleatória

Confesso tanta coisa

sem necessidade da igreja,

nada contra a igreja,

nada contra os que se confessam,

nada contra o tempo que passa

e nada mais:

sem ressentimentos

Tu és da aventura

enquanto esta cidade,

parte dela pra ser exato,

está mergulhada na idiotia

e na escassez das sensações

que batem à porta do coração:

fumaça invade minhas narinas

com facilidade,

mas o meu coração

permanece

sólido

impenetrável

rígido

petrificado

Confesso que tropeço de ternura

por ti,

confesso que odiei

te dar um adeus

em português:

creio que minha língua materna

me fizera expressar mal

o que sinto por ti,

mas o que passou

passou

e o mundo continua vasto

embora eu sinta

que o mesmo

seja apenas

um grão de areia

na praia cósmica

Confesso que tristeza

ronda as minhas veias

como viaturas

como a cavalaria

como o fiscal que busca uma falha

no que se constrói:

há uma falha em mim

de fato,

sou como um todo

algo falho

sem nenhuma beleza

sem nenhuma estranheza

sem nenhuma grandeza

e assim

sou

Tu és das cores vivas da primavera

e da revolta armada com flores

e sangue e espinhos

numa avenida

onde todos baixam a face

para não perder os grilhões

que adoram,

tu és da liberdade além poesia

com epiderme mais quente

que a brasa

usada

para marcar gados

numa fazenda:

e não importa o que faças

nem o que diga,

os outros jamais entenderão

que tu és mais

que um sorriso

mais que olhos

levemente castanhos

mais que unhas

borradas

– parte da cidade

está mergulhada

na idiotia,

tu estás longe e eu

estou me desviando

do caos dos que vendem

ingressos

para os enterros

dos seres

que ainda

não morreram

fisicamente