Lugar mais singular que este não há

Lugar mais singular que este não há

(SÍTIO SINGULAR)

Um amor para recordar

Francisco Alber Liberato

Quatro da manhã

É frio no sertão

O despertador biológico manda levantar

Uma oração, alguma reflexão, hora de lutar pelo pão.

Um baixinho gigante

(Hoje com quase um século de honestidade, respeito e dignidade)

Homem de pouco vocábulo

Pega sua indumentária e vai para o estábulo

Muitos dormem tranquilo

Confiando no mestre Cirilo

O silêncio só é quebrado pelo estridular do grilo

Ou rompido pela calma do Montanha

Ao esbarrar em algum graveto na vereda

Tirando a serenidade do ambiente

Banhado pelo sereno da madrugada

Aos poucos espectros de luz lhe dizem bom dia

Antes de a aurora o abraçar

As vacas já estão ordenhadas

O velhinho aguerrido

Dá aos seus filhos leite mugido

Ao voltar do curral

O combatente come até passar mal

Não existe comida ruim

Coalhada, cuscuz, carne de bode, titela de capote.

O que tiver ele traça

Parece uma saraça

Sua mulher, guerreira como é, passa o café.

Muito cedo também já está de pé

Acompanha o marido na labuta diária

É mãe, companheira, empregada, é mais que funcionária.

É elétrica e não consegue ficar parada

Parada qualquer ela topa e não cai em qualquer topada

Prepara-se para fazer o queijo

Preocupa-se com a família

Limpa a casa, faz a comida.

Cuida de mais uma porca parida

Alimenta mais um borrego enjeitado

É a parteira competente, corajosa e consagrada.

Conhece como ninguém a vida deste chão

Varre o terreiro e debaixo da algaroba amola

Faca, machado, enxada, foice e facão.

Por falar em algaroba... Quantos segredos tu guardas?

Quantos sonhos floresceram à tua sombra árvore discreta?

Já alimentou vários animais

Já resistiu a diversos verões

Já rezou por tantos invernos

É a vida que dá vida a muitas vidas

Já foi incubadora de dezenas de espécies de aves

Talvez até ninho de cobra já foi.

Beija-flores sorveram teu néctar

Cupins em ti fizeram moradas

Formigueiros não conseguiram destruir tuas raízes

Escorados em ti jovens beijaram namoradas

Homens e mulheres fizeram seus ninhos

Animais ao teu tronco foram amarrados

E institivamente copularam

Ao teu redor houve muitas brincadeiras

Diversos filhos, netos e bisnetos foram criados contemplados por ti.

Agregados também te viram renovar-se a cada nova estação

Deste solo seco que tu vigias brotaram fibras leguminosas

E pessoas honestas e maravilhosas

Quando São Pedro esquece a maldição

E deixa cair gotículas d’água neste chão

Tudo floresce, o verde aparece, é muita riqueza.

As grotas lavam as canelas e a alma do povo

De repente como milagre tudo se faz novo

Como pode um lugar que parecia sem vida espalhar tamanha beleza?

Os animais se esbaldam de alegria

Trocam olhares e carícias de noite e de dia

Tudo muda tanto que parece fantasia

Porcos rolam na lama, bodes comem babugem.

Pássaros cantam sem parar, galinhas ciscam o terreiro.

Até o cachorro parece sorrir. A festa dura o inverno inteiro

A esperança tem cheiro de orvalho

O orgulho é roçado, o amor é plantado.

Milho, carinho, melancia, afeto é semeado.

Tudo isso preenchem a casa e o coração

Local raro, único, especial, pedra angular.

Teus descendentes se multiplicaram

E pelo mundo afora se espalharam

E com muita convicção anunciaram

Lugar mais SINGULAR que este não há.

Alber Liberato Escritor
Enviado por Alber Liberato Escritor em 02/09/2019
Código do texto: T6735205
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