Eu e meu pai

PARTE I - Moedinhas

essa lembrança guardo bem

era uma manhã de sol,

meu pai acordou mais tarde, arrumou-se todo

e foi internar-se num hospital.

conforme minha mãe contava,

precisar mesmo, nem precisava,

mas ele queria operar, ver-se livre da tal úlcera

e das dores que vira mexe, teimavam em lhe incomodar

antes de sair abaixou-se diante de mim

me deu um longo abraço

abriu minha mão pequenina

e pra meu encanto, a encheu com moedinhas.

não me ocupava em lembrar-me, até então, de outros abraços

ou outros mimos, como ganhar moedinhas

pra falar verdade pouco ligava pra beijos no rosto

como o que ganhei antes que ele se fosse...

Considerando hoje que aquela seria

A ultima cena em que apareceríamos juntos

no filme curta metragem de nossa convivência

bem que devia ter me esforçado pra fazer melhor

podia ter simulado um drama,

atirado longe as moedas

me agarrado nele pedindo pra ficar

desistir da cirurgia, brincar comigo o resto do dia...

Mas nada falei. Segurei seu rosto e olhei seus olhos

tão de perto como nunca lembrava ter feito

retribui o beijo, falei tchau

e o deixei partir.

não me lembro bem como foi dali pra frente,

nem o que fiz com as moedinhas

Certamente as gastei com bobagens, ou simplesmente sumiram.

Mas ficou aquele momento, lembrança nítida e rara da primeira fase

de minha infância.

naquela manhã em minha casa, na sala inundada da luz do sol

eu tinha comigo, mais que intuição infantil, uma certeza calma

que ele, meu pai, como fariam mais tarde as moedinhas,

estava prestes a sair de minha vida.

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PARTE II - A Explicação

Por onde anda meu Pai?

Onde andam os pais que se vão?

Como explicar que não aparecem mais

Porque já não estão, pois já não são?

Na noite que ele partiu,

Minha mãe me disse, a amenizar,

Jesus chamou seu pai

Ele obedeceu, foi e não pode voltar

Não consegui ver sentido

naquela versão escabrosa

Como assim, não pode? Chamou, não volta?

Me neguei a entender a metáfora dolorosa

Por mim, ele que fosse tratar

com Jesus o que tinha a fazer.

Eu me sentaria à porta e aguardaria

Que ele voltasse pra casa depois ao anoitecer

Quanto tempo fiquei ali, à espera

pra construirmos nossas lembranças e guarda-las

que nunca as esqueci de fato

pois mal tivemos tempo de vive-las.

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PARTE III - A identificação

Meu pai morreu quando eu tinha 7 anos

Chorei , sofri por uns meses

depois a vida seguiu seus planos

Bons meninos não choram. Só às vezes.

Cresci sem me perguntar

O que meu pai me diria

Que faria em meu lugar

Que conselho daria

Nem na primeira briga

Nem no primeiro amor

No primeiro tombo de bicicleta,

Como evitar a dor?

E nem poderia, simplesmente nunca soube

Se empinou pipa, se brigou

Como encarou a menina?

Se caiu da bicicleta, como levantou?

Será que teve um primeiro emprego

Um menino chato na escola

Um chefe esquisito

e a menina bonita, lhe deu ou não bola?

Nunca sequer pensei se foi criança

Adolescente, como cresceu

Já conheci meu pai adulto pronto

Imagina se teve problemas como os meus...

Só viemos a estabelecer uma conexão

Quando meu primeiro filho nasceu.

Enfim eu vivia uma situação

que com certeza meu pai viveu

compartilhávamos uma mesma sensação

Que sentimos, tanto ele quanto eu

nos demos conta, eu agora, ele tempos atrás

Da alegria eterna e da preocupação sem fim

Que um filho significa para os pais.

Inequivocamente foi assim, pra ele e pra mim

E assim fumamos juntos imaginários charutos da paz.

Refizemos nossa ligação perdida

E dali pra frente compartilhamos vivências paternais

A alegria , orgulho, os tormentos e júbilos

Nos tornamos amigos, silenciosos confidentes.

A partir de então deixei de ser órfão

E nunca mais precisei chorar,

de fato, por não ter meu pai.