arrepios

quando era bem menino

nos matos ralos das beiradas

do campinho de terra batida

do futebol da periferia

arrepiava o medo mito

das vespas azuis furta-cores

que perambulavam às carreirinhas

as asas vibrando

indiferentes aos meninos

e um não sei quê espreitando

hoje arrepio-me

de saber que as vespas que temíamos

de picadas de vinte e quatro horas de dor

na verdade caçavam aranhas

as armadeiras, que também temíamos

para depositar-lhes no dorso

as larvas que as comeriam vivas

quando era bem menino

temia as vespas e aranhas

agora,

torço pelas aranhas, pobres aranhas

elas, pelo menos

parecem sinceras na sua peçonha

não devoram vivas as vítimas

demoradamente

como o mundo adulto faz

com a meninice da gente

Publicado no livro "poemas em tempos de penas" (2016).