meninice
bem menino
sentia-me aprisionado na cidade
encarcerado pelos muros
amarrado nos fios dos postes,
escuros algozes das pipas coloridas,
o ronco e a fumaça dos ônibus escolares
iam invadindo as ruas
como se elas lhes pertencessem, às máquinas
e não aos meninos
mas nos feriados no sítio
ah, no sítio era a folgança
andar sem rumo pelo milharal alto
pelos pomares de frutas e pássaros
as amoras docinhas e os sabiás de bico arroxeado
as lagoas de traíras esfomeadas e tolas,
arranhava-me nos matos que cheiravam meninice
rodeando as enormes pedras redondas
cidade dos deuses, ocultos
a me espreitar
e à noite
viajava pelos mundos longínquos e estranhos
das páginas mágicas dos livros da estante
depois, já bem viageiro
escapava da proteção das luzes da casa
e, na escuridão do terreiro de secar café
deitava nos tijolos ainda mornos do sol da tarde
alumbrando-me no borrão de luzes
daquele firmamento sem fim
Publicado no livro "cio do século" (2011).