quando fui chuva
"eu via o céu caindo toda quarta-feira.
e me via caindo junto com ele quando percebia que, por mais que insistisse em desabar, não te encharcaria.
tinha dia em que o céu e o mar eram uma coisa só. era primavera e verão. tudo florescia dentro de mim. tudo parecia germinar.
outras vezes o calor do tempo não deixava gota sequer tocar seu solo infértil. tinha dia em que o céu caía ainda de tarde. parecia chorar sozinho mas eu lhe fazia companhia porque detestava a solidão.
as flores precisam da água que despenca do céu pra crescerem saudáveis.
eu levava a metáfora à sério. achava que eu também precisava passar pelos dias escuros pra ver clarear. pelos vazios pra te ver preencher. precisava que o céu caísse pra fazer florescer o sentimento que em mim já nem era botão.
eu conheci a aridez de perto. vivi muito tempo em terra seca, por isso esperava o céu cair toda quarta-feira, porque sempre diziam que além de clarear e florescer, a água que desabava levava as impurezas embora. lavava a sujeira da alma.
a paixão pelo pequeno príncipe me alertou, ainda na infância, sobre a espera. sobre as surpresas. os arco-íris aparecem depois de grandes tempestades.
esperei muito tempo o céu cair
pra me lavar
pra te levar
pra deixar fluir
esperei pela água que despencaria do alto
demorei várias quartas-feiras
pra perceber
que durante todo esse tempo,
eu fui a própria chuva"