POEMA-INVENTÁRIO

Conheci um homem chamado Sebastião, primo de Abadias,

neto de Felisberto, vizinho ali, de duas léguas, de Chico Perdão,

aprimado de Cecília, de si mesma ilha, sub-cunhada de Sebastiana,

aparentada de Carolina das Duas Vistas, que vivia pensando

que amanhã podia ser hoje mudando apenas o ponto de vista,

representado ali estava Pedro, filho de Asdrubal, conhecido

de Vanderlei, pedreiro de poucas posses e muitos tijolos,

que orbitava na família de dona Neném, mais antiga morada

da cidadezinha em que todos moravam, que fazia doces

caseiros conhecidos até no estrangeiro, que morava

na rua principal bem ao lado do prédio da Prefeitura,

construído pelo engenheiro Tobias da Cruz, neto

adotado do fazendeiro Xerxes, dono de pastos

e gado de muitas cabeças, que mandou fazer

um teatro aos moldes dos franceses para trazer

dançarinas pagas a peso de ouro para as danças,

que depois dormiam no casarão, a peso de ouro,

onde na casa dos fundos dormia Tião, o último

escravo da fazenda, que veio das bandas de Minas,

trazia a carta de alforria e um punhal afiado que nem só,

diziam que tinha cento e cinquenta filhos feitos para a escravidão,

e com ele veio o Feliciano, negrinho de miúdas feições,

mas que tinha uma vontade danada de matar brancos,

dizem que também, lá pras bandas do riacho,

morava o tal do Temeroso, o pior de todos,

que matava a mando do patrão, mata e ria,

mas que nunca nem ouvira falar de uma tal de poesia,

que veio para cá pelas mãos de Florian, um francês afetado,

mas que não era viado, só gostava de licor de laranja,

que trouxe com ele a moça mais linda da França,

rosto fino e de voz suave, que recitava Rimbaud,

Verlaine, usava unhas postiças, bebia conhaque,

e com eles veio um abade que pensava

em catequizar os índios que diziam

haver ainda por aqui, soltos, pelados,

e este, depois de escrito, é o inventário,

a gênese da genealogia da pequena cidade

de Arvoredo, que de Lobisomem ainda tem medo...