Ela foi morar nas estrelas...
Todas as vezes que ela ia a Arcoverde eu ficava feliz...
Ela me trazia o seu amor, um carinho incontestável e carrinhos de galalite.
Eu, nos meus doze anos, fui morar com ela em Moreno.
E já idolatrava aquela mulher... Foi a minha primeira paixão.
Nunca me disse um não: sempre sim.
Sim... Anulava os nãos de Bibi de modo incisivo. Era direta: deixa o menino.
Vovó Barreto era só carinho, carrinhos de galalite, sins.
Viúva, avozinha, seu cachimbo modesto era o seu marido, ela dizia...
Modesta, simples, iletrada. Operária de fábrica, sofrida...
Tinha lá seus nãos, para os outros.
Para mim, não: sim!
Havia outros sins naquela casa:
A bolacha cream crack, sempre fresquinha, com manteiga, antes de dormir, era um sim de bom tamanho...
A mesa grande da área dos fundos da casa reunia a família nos almoços de domingo, era outro...
A casa da vovó Barreto era um paraíso...Era uma festa.
A cacimba profunda de água friinha uma delícia...
As bananeiras... Os pés de jambo... As uvas verdes do oitão da casa...
A mangueira no quintal outra festa.
O portão da frente da casa que escondia namoros antigos...
Os quartos sem teto...
Tia Bibi varrendo a casa descalça e roendo as unhas...
A pedra do padre-sem-cabeça que assombrava a meninada no quintal do vizinho...
A linha do trem... O trem cambiteiro...
-Lá vem o trem!!
Era uma correria...Ele vinha devagar...devagar...devagar...
A estação era perto. A gente pegava cana e carona. Coisa de moleque...
Do outro lado da linha do trem havia vida também...
Lá estava a casa de dona Ambrosina... Com seus jambos maravilhosos... Seu campo de futebol, que a gente jogava justamente ao meio-dia depois do almoço, para desespero de tia Bibi. A pequena lagoa que a gente pescava gia. Para nada.
Outro sim maravilhoso, mais longe, a casa de tia Biína...
Mas ali morava também a felicidade... A religiosidade. A Paz. Os primos e primas que eu gostava. A ladeira que eu descia em carrinho de rolimãs...
São tantas as lembranças...
Corina, Toinha, Toinho.
As descobertas do mundo,
Gicélia a primeira quase tudo: de namorada a apaixonada.
A dedicação aos meus estudos no Colégio Sagrado Coração...
Era só atravessar a rua e estava no colégio.
As lembranças de vovó Barreto!!
A casa simples, na rua Dr. Sofrônio Portela, por si só tinha vida: eram cinco quartos, duas salas, um terraço para a rua e outro maior para o quintal...
A cozinha era o paraíso... Doces, biscoitos, frutas e um feijão de tirar o fôlego.
Só não gostava do banheiro: era escuro, úmido, apertado, paiol de coisas, e por ser banheiro, relegado e deixado pra lá.
Na casa morava outra mulher maravilhosa : Corina.
Corina. Negra, prestativa, madura, solteira, professora, morava na casa quase de favor...Era um dos meus sins e ela tinha seu não na tia Bibi.
Corina me ajudava com os deveres, levou-me com febre para prestar exame de admissão ao Sagrado Coração.
Ela vivia seu próprio verso, naquele universo de mulheres: vovó, tia Bibi, Corina...
E as descobertas foram muitas:
Ajudei missa como coroinha...
Fiquei no cinema com uma menina...
Cacei nambu, nadei e pesquei no rio Jaboatão...
Saía por aí pegando mel de abelha e roubando frutas...
Todo dia tomava banho de rio, sozinho, pescando piabas ao pôr do Sol...
Naquela casa havia dois nãos de peso: tia Bibi, com seu zelo desmesurado por mim e os seus beliscões corretivos na igreja: o outro, tio Toinho com sua bicicleta proibida e seus jogos de botões inacessíveis...
Mas existia vovó Barreto... A senhora dos meus sins.