PATER MEI

Impregnando meus bilhões de células

Outros tantos núcleos

Trilhões de citoplasmas

Condição sine qua non

Integra meus neurônios

Fibras musculares

Compõe meu fenótipo

Meus xis e meus ipsilon

Casto e devasso

Contradição viva

Borboleta e larva

Metamorfose fetal

Alimentação umbilical

Espelho de cristal

Alma ou energia

Galáxia fria ou paraíso

Brisa nostálgica, verdade dura

Vitorioso espermatozóide

Rompe o óvulo, multiplica-se

Reproduz seus defeitos em mim

Suas fraquezas e violências

As taras recônditas

Escravidão não discernida

Sou preso aos seus fios de sangue

A uma derme prisão

Sinto-me emoldurado

O grande útero, o mundo

Tocado, infectado, imundo

São seus esses meus sentires

São meus esses seus esgares

Unidade quase absoluta

Desmentida pela relatividade

Realidade dissoluta

Abstenho-me de amá-lo

Recuso-me a odiá-lo

Não escolhi essa forma

A redoma, o aquário

Velho pó, cinza

Lembrança mordaça

Só recusa e desdém

Não senti seu afago, seu beijo

Acho que também não os teve

Não consigo afastá-lo

Eu sou todo você

Repito seus erros

Vivo seus desamores

Mimetizo seus tiques

Olhares trejeitos

Não há jeito

De arrancá-lo do peito

Meu amigo imperfeito