Arlequina
Eu disse que te amava tantas vezes,
você jamais acreditou,
quebrou meu coração,
feriu meus sentimentos,
pisou no meu orgulho,
com seu salto agulha,
me chamou de seu "vagabundo preferido",
e eu aos seus pés continuei,
rastejando, perdoando,
culpando a mim mesmo,
aprisionado por seus cabelos ruivos,
todas as noites em que me deixou esperando,
todos os dias em que me perseguiu,
espionando mensagens, roupas, perfumes,
prometendo vinganças inimagináveis,
me olhando daquele jeito desequilibrado,
causando mil terremotos sem motivo,
fazendo vulcões explodirem,
lava incandescente em seus lábios,
e mesmo assim nos pacificávamos no amor,
gladiadores na arena, amantes na cama,
e você implorava "não me deixe!"
Arlequina, delinquente, rebelde,
ria enquanto minha alma se esvaia,
lembrava-se de seus incêndios nas escolas,
de suas expulsões por mau comportamento,
agora na fachada de uma advogada respeitável,
torturava aquele que lhe devotava a vida,
entre tapas e beijos, amores e guerra,
víamos o chão rachar sob nossos pés,
até que tentei fugir de seus tentáculos de aço,
precisava me libertar de seu domínio,
corri o máximo que pude,
deixei de olhar para trás,
mudei nome, endereço e RG,
virei um fantasma invisível,
sem rastros, sem passado,
e você finalmente me esqueceu,
casou-se com um soldadinho de chumbo,
mudou-se para a terra do Tio Sam,
virou cozinheira de mão cheia,
e eu, agora, cicatrizado, relembro,
as dores já não me afligem mais,
parecem uma fotografia amarelada,
enquanto sigo ilhado e em paz,
escrevendo poesias na madrugada,
expedicionário de uma legião solitária,
sorvendo uma taça de vinho no frio desse inverno...