FUTURO DO PRETÉRITO
Poeta, ser de incomensurável sensibilidade.
Dom que em mim não se fez grassar
Todas as minhas poesias transbordam de inesgotável ausência amarga
Transpassam pelo meu tronco cerebral
Fogo que se encerra em meus ossos
Dor que se renovam a cada vinte e quatro horas
Selvagem, predadora e voraz!
Mastiga minhas entranhas
Arranham meu globo ocular
Zumbem nos meus tímpanos
Comprimem meu córtex
São mais esmagadores que a gravidade mil vezes um milhão
É fonte criadora, molda e imprime sua vontade, além de mim
Não tenho escolha ou desejo, apenas escrevo o que me é imposto
Rio perene de insaciável correnteza veloz.
Grama que cresce suave e inexoravelmente
Desculpem-me, desculpem-me meus queridos que pela poesia foram escolhidos!
Estou aqui por obra de infortúnio atroz
Deixa-me ficar na última cadeira reservada aos últimos da classe
Ignorado pelos ventos, onde o sol não ilumina e a fragrância das flores perdeu seu perfume
Peço apenas que tenha um fresta para eu olhar o mar e suas procelas
Cela reservada a condenados de alta periculosidade
Não ouço vozes, me contento com o silêncio das dores do inverno
Ah! Quem dera-me chegar ao majestoso verão, sem o algoz no meu calcanhar
Poder engordar no inverso e sorrir as gargalhadas das flores na primavera
Foram-me reservados as noites cinza, os nevoeiros traiçoeiros e o negrume abissal do mar
Ah! Quem me dera eu ser poeta e com palavras doces e cândidas poder me esvaziar!
Então, usar a escrita para retornar ao princípio
E o futuro do pretérito poder mudar!