ANGELUS

18 horas:

a Ave-Maria começa a tocar

no alto-falante da Igreja Matriz.

Em instantes, como de costume,

a conhecida voz missionária

imponente iniciará as orações.

O som não chega nítido à nossa casa

falha algumas vezes

mas n’outras ouve-se bem.

Algumas palavras sacras se perdem

entre o barulho das cigarras

o familiar tema de abertura da novela

e a algazarra das crianças na rua

que pulam corda, jogam queimada

indiferentes às rezas crepusculares.

Pouco depois, no alto do morro

os alto-falantes da capela

também começam a soar

no céu quase escuro

ecoam orações, mensagens

e convites da paróquia:

na próxima semana (ouve-se)

começará a tradicional novena

em honra ao Padroeiro.

Nas noites de inverno

a rua deserta suspira, triste,

pela falta das crianças

não ouve mais o grito

vitorioso do pique-pega,

as cantigas de roda.

Na casa fechada, a família

enrolada nos cobertores ouve

segredos revelados na novela

a irritante sinfonia dos pernilongos

e a ladainha das 18 horas.

Amém.

Raphael Cerqueira Silva
Enviado por Raphael Cerqueira Silva em 05/09/2016
Reeditado em 18/01/2021
Código do texto: T5751713
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.