ANGELUS
18 horas:
a Ave-Maria começa a tocar
no alto-falante da Igreja Matriz.
Em instantes, como de costume,
a conhecida voz missionária
imponente iniciará as orações.
O som não chega nítido à nossa casa
falha algumas vezes
mas n’outras ouve-se bem.
Algumas palavras sacras se perdem
entre o barulho das cigarras
o familiar tema de abertura da novela
e a algazarra das crianças na rua
que pulam corda, jogam queimada
indiferentes às rezas crepusculares.
Pouco depois, no alto do morro
os alto-falantes da capela
também começam a soar
no céu quase escuro
ecoam orações, mensagens
e convites da paróquia:
na próxima semana (ouve-se)
começará a tradicional novena
em honra ao Padroeiro.
Nas noites de inverno
a rua deserta suspira, triste,
pela falta das crianças
não ouve mais o grito
vitorioso do pique-pega,
as cantigas de roda.
Na casa fechada, a família
enrolada nos cobertores ouve
segredos revelados na novela
a irritante sinfonia dos pernilongos
e a ladainha das 18 horas.
Amém.