A Árvore

Quando vejo a árvore de minha casa morrendo

Não vejo apenas suas folhas caindo no chão

Ou seu tronco apodrecendo dia a dia

Sendo retirado por homens estranhos

Eu vejo o fim de um caminho

Eu vejo suas folhas caindo como lágrimas

Seus galhos quebrando como braços

Suas raízes se separando como alma (do corpo)

Eu vejo o passado indo embora

Levando consigo o cheiro de mofo

De um tempo carregado de lembranças...

Eu vejo imagens turvas

E sinto cheiros amargos

Lembro-me de mim na janela

Tarde chuvosa

Nada na panela

Cupins

Grilos

Mato verde e alto

Eu vejo os anos

Sinceramente

Os anos noventa

Aquela lama nojenta

Na frente da casa velha

Em tempos de inverno

A madeira molhada

Cada vez mais velha

Da casa de dois cômodos

A sala era a cozinha

A cozinha era o quarto

As redes atadas

Sob elas o assoalho

De ferpas perigosas

A TV era em preto e branco

Como minha compreensão de tudo aquilo

De toda a impotência de meus adultos

Diante de uma realidade implacável e impiedosa

A rua de piçarra,

A jarra de contornos

O suco amarelo e o pão bengala

Alimentava toda a família

Minha mãe e minha avó

De madrugada com o som da rádio

Levantando-se para irem trabalhar

De tarde chegavam com ou sem o jantar

Que saudade delas!

Velhas guerreiras

Suas armas era o amor

suportavam toda a dor

Que eu desconhecia

Por isso hoje quando vejo a árvore definhando

Sendo retirada por aqueles homens indiferentes

Embora sem maldade

Eu percebo que a cada golpe desferido contra ela

O sangue que escorre é do passado

De um passado mal vestido

maltrapilho e esquisito

de um tempo que não tem mais vez...

Alexandre Sena
Enviado por Alexandre Sena em 28/03/2016
Reeditado em 18/04/2020
Código do texto: T5588165
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