A Árvore
Quando vejo a árvore de minha casa morrendo
Não vejo apenas suas folhas caindo no chão
Ou seu tronco apodrecendo dia a dia
Sendo retirado por homens estranhos
Eu vejo o fim de um caminho
Eu vejo suas folhas caindo como lágrimas
Seus galhos quebrando como braços
Suas raízes se separando como alma (do corpo)
Eu vejo o passado indo embora
Levando consigo o cheiro de mofo
De um tempo carregado de lembranças...
Eu vejo imagens turvas
E sinto cheiros amargos
Lembro-me de mim na janela
Tarde chuvosa
Nada na panela
Cupins
Grilos
Mato verde e alto
Eu vejo os anos
Sinceramente
Os anos noventa
Aquela lama nojenta
Na frente da casa velha
Em tempos de inverno
A madeira molhada
Cada vez mais velha
Da casa de dois cômodos
A sala era a cozinha
A cozinha era o quarto
As redes atadas
Sob elas o assoalho
De ferpas perigosas
A TV era em preto e branco
Como minha compreensão de tudo aquilo
De toda a impotência de meus adultos
Diante de uma realidade implacável e impiedosa
A rua de piçarra,
A jarra de contornos
O suco amarelo e o pão bengala
Alimentava toda a família
Minha mãe e minha avó
De madrugada com o som da rádio
Levantando-se para irem trabalhar
De tarde chegavam com ou sem o jantar
Que saudade delas!
Velhas guerreiras
Suas armas era o amor
suportavam toda a dor
Que eu desconhecia
Por isso hoje quando vejo a árvore definhando
Sendo retirada por aqueles homens indiferentes
Embora sem maldade
Eu percebo que a cada golpe desferido contra ela
O sangue que escorre é do passado
De um passado mal vestido
maltrapilho e esquisito
de um tempo que não tem mais vez...