Eu, Poesia

Nascia eu, pequenino

Em meados dos anos setenta

Filho de dona de casa

Daquelas que sempre inventa

Um meio dos filhos alegrar

Comia apenas farinha

E ainda dizia gostar

O almoço, o pão e a carne

Era para os filhos alimentar

Ainda pequeno, eu queria

Ser algum dia cantor

Imitava Evaldo Braga

Erasmo, dizia meu avô

Aos quatro anos fazia

Com a inocência normal

Minha primeira poesia

Na veia o dom, afinal

Na escola chegava chorando

E chorando saia também

Na timidez exagerada

A nota era boa, era 100

Ali encontrei a menina

Minha primeira paixão

Que nunca me percebeu

Hoje, metido, eu rio

Nem sabe ela o que perdeu

Tentei ir para o futebol

O Hulk construiu um campinho

Onde nem chuva nem sol

Parava nosso Flamenguinho

Eu fazia muitos gols

Mas ainda não adiantava

O primeiro que me zoasse

Eu, nervosinho, chorava

Assim também nas brincadeiras

O alvo era eu, o pior

Sabiam do meu nervosismo

Do quanto sofria o temor

Do fato de ser rejeitado

Coisas que nem na poesia

As palavras que eu ouvia

Em tempo algum caberiam

Fui crescendo e sofrendo

As dores de tal rejeição

Porem, mesmo sem jeito

Decidi estender a mão

Capinava mesmo mal

Roçava o pasto, tal qual

Tomava conta do gado

Deixava o chiqueiro lavado

Buscava resto de comida

Nos vizinhos, era minha vida

Para os porcos alimentar

Sem disso me envergonhar

Minha mãe vendia roupas

Perfumes, salgados, bolos, louça

Fazia faxina e assim

Fez amizades sem fim

Me ensinou a fugir

Das drogas que viessem a mim

Fez de mim, homem de bem

Que não desrespeita ninguém

Minha mãe tinha o dom

De dizer que tudo era bom

Não mentia, apenas sentia

Que o que Deus nos permitia

Ser motivo de alegria

Chegou enfim a adolescência

E todo mundo namorava

Apenas eu e minha timidez

Que isolado me deixava

Até que apareceu ela

Uma menina legal

Que me deixava feliz

Mesmo ela achando normal

Ser de um monte de meninos

E eu, me sentindo pequenino

Deixava que ela viesse

E pelo menos por um instante

Meu vazio preenchesse

Eu era o ruim de bola

O mais feinho da escola

Mostrar minha canção não ousava

Pois meu peito já sangrava

Só de pensar na rejeição

Preferia a solidão

Que logo me apresentou a bebida

Tão jovem, já na berlinda

Minha mãe olhava triste

Será que meu filho ainda existe?

E me apresentou um lugar

Um grupo de jovens da igreja

Que me deram a liberdade

De mostrar minha poesia

E ser parte desse mundo

Que tinha em um amor profundo

O motivo da alegria

Deus conosco, era o nome

De Jesus, Emanuel

Filho de Deus, onde um dia

Eu Eric, virei Fanuel

Vitorias vieram no grupo

Mas ainda me sentindo

Rejeitado eu seguia

Pois amigos eu fiz de verdade

E posso afirmar que fizemos

História na nossa cidade

Ali aprendi que é normal

Cantar pra um ou cinco mil

Cantar na capelinha do morro

Ou nos quatro cantos do Brasil

Lá também eu encontrei

Aquela que por anos seria

Companheira de minhas lutas

E com quem me casaria

Dela ganhei quatro filhos

Mas o destino não quis

Que a nossa união, tão suada

Pudesse ser eternizada

Da igreja, parti para o samba

Deus segurando com a mão

Nas letras da minha canção

Cantei as matas, os guias

Os orixás, quem diria?

Vieram me abraçar

Neste novo mundo viajei

Subi a serra no trem

Cantei os ciganos, o amor

A luz, que outra igual não tem

Cantei as crenças populares

A cidade emancipada

O verde, os rios, os mares

A Bahia, os reis, a paz sonhada

Foram 10 premiações

Só em Guapimirim

Viajei pelo Brasil

Sambas de sonhos sem fim

Magé voltou a ter carnaval

Ganhamos o samba na Flor

A pioneira do mundo

Exalando todo amor

E nossa parceria

Motivo de tanta alegria

Virou família arretada

Nesta imensa jornada

Deus na sua bondade

Me trouxe um novo amor

Aquela que completaria

O que o poeta sonhou

Mais dois filhos, nova vida

Comecei a ir pra roda

Samba de raiz, sem moda

Eis a missão escolhida

Na praça, no calçadão

Na Baixada, consagração

A cultura agora é o ar

Que eu escolhi respirar

Abraçando a literatura

Condecorado imortal

Ciências, letras e artes

Sentimento sensacional

Fui escolhido enfim

NO samba, que levo a bandeira

A ser um sambista de fato

Pela Estação Primeira

Décadas em prol da canção

No estúdio realização

Não sonhei em ser um bamba

Mas viver, além do samba

A estrada longa pela frente

Não me assusta, me convida

A ser um louco insistente

Fazendo da arte, minha vida