Apocalipse particular
 
Não tenho dúvidas em dizer que vivemos nosso próprio apocalipse, as vezes na vida sentimental costuma ser mais intenso, amores proibidos, discriminações, injurias, falsidades, acusações, incompreensão, enfermidades, ingratidão, morte e etc...
 
Fomos pegos de surpresa, a mais terrível surpresa que minha família sofreu, não sei porque senti necessidade de escrever algo tão familiar, há uma coincidência de 7 na minha vida, erros e acertos de datas que sempre me levam para o traumático 7.
Já estávamos acostumados com as notícias ruins vindas sempre no dia 7, mas naquela noite nada estava programado em nossa mente, exceto o que martelava minha cabeça, um sonho que havia tido com meu pai 2 semanas antes, sonhei que ao subir os degraus da escada que terminavam na frente do corredor do quarto dele, estavam minha irmã e minha sobrinha, fazendo uma faxina, a cama o colchão e tudo que tinha no quarto dele estavam pelo lado de fora, e elas nada falavam, mas era nítida a tristeza nos corações delas, não consegui discernir o sonho, apenas relatei a minha irmã. Sem discernimento continuou, meu pai cantava e tocava maravilhosamente bem, não era todo dia, mas sempre que podia ele cantava sozinho; nisto findou a semana e ele começou a cantar e tocar sempre a mesma música sertaneja “Último adeus” Tião Carreiro e Pardinho, todos os dias daquela semana.
Ele sofria, sofrimento físico porque era alcoólatra e fumante a mais de 50 anos, sofria também porque amava minha mãe e ela não o suportava.
Ele pegava a viola e o banquinho dele e se sentava pelo lado de fora bem de frente à casa dela, a voz dele era única, linda, nunca desentoava estando bêbado ou não.
Morávamos todos no mesmo andar e o que nos separavam era apenas as paredes.
A constância da música e a tristeza na voz dele era preocupante, minha irmã ia lá todo dia, levar o almoço e o jantar, orávamos com ele e por ele.
Todo fim de semana ele passava mal com a pressão altíssima passava dos 23x18, era levado ao médico e sempre voltava com a promessa de que não beberia mais.
Foi internado várias vezes em clinicas de recuperação, não adiantava.
Não podíamos contar com isso!
Até que chegou a sexta-feira e ele como de costume saiu as 05hs e voltou as 18hs, subiu a escada com muita dificuldade, eu estava de saída para a igreja, só disse “oi papai, está tudo bem? Ele respondeu: está nada”, era costume.
Na igreja, cantávamos era ensaio e eu era a líder de jovens, deixei o celular na cadeira, que tocava sem parar.
Quando me trouxeram o celular haviam 7 chamadas não atendidas, senti um impulso no peito, quando retornei à ligação, só se ouvia gritos e choros, temos três enfermeiros na família e todos tentando reanima-lo, mas outra irmã que falava comigo disse, “vem logo, o papai morreu” em prantos ela desligou, pegamos um taxi e chegamos antes de conseguirem colocá-lo no carro, fui chegando e entrando no taxi deles, não houve quem me tirasse, ele estava no banco de trás tendo uma convulsão, eu chamava, ele não respondia, eu não podia acreditar que não falaria mais com ele, que aquela seria sua última viagem.
Ao chegar no pronto socorro levaram e com muita dificuldade, após 3 paradas respiratória foi reanimado.
Ficamos lá fora até ter certeza que ele ainda estava vivo.
Eu fiquei mais aliviada, pensei: ao vê-lo iria dizer o quanto ele era importante e o quanto eu o amava e no quanto doeu pensar que iria perde-lo.
Eu pensei que teria essa chance quando minha cunhada chegou e disse que já podíamos ir, porque ele estava bem.
Ao amanhecer (conta minha sobrinha), ele se levantou, brincou com ela, foi ao banheiro e o médico disse que iria liberá-lo, tranquilizamos.
Uns 10 minutos após ela liga dizendo que ele havia tido outra parada e morreu, foi uma dor sem proporções, eu já tinha perdido o esposo, mas nada se comparava ao terror daquele dia, somos 9 e não podíamos consolar um ao outro, cada um viveu seu apocalipse em sofrimento desmedido.
Eu só queria um tempo, uma chance de dizer o que estava sentindo, eu não tive!
Passamos o sábado na casa da frente, o corpo dele chegou e esmorecemos, ninguém falava, só choravamos.
Todos queriam dizer o mesmo que eu “Pai, você é importante para mim, na minha vida, você não imagina o quanto”
Perdemos a chance!!!
Após sepulta-lo voltamos e só aí pude subir a escada, quando olhei, estavam lá encostados na parede, colchão, cama e tudo que havia no quarto.
E elas limpando tudo, igual ao sonho que tive.
Era sofrido olhar nos olhos de minha mãe que lagrimavam a dor do pouco valor que ele tinha para ela, por ser alcoólatra, todo mundo tinha valor, o alcoólatra não, era a escória que a sociedade rejeitava injustamente e a pior rejeição ou discriminação é aquela que vem de quem amamos.
Não a culpo, mas ele viveria mais se fosse ajudado por ela, se ela lutasse por ele.
Em fim o que importa é que não há mais o que fazer, infelizmente.
 
 “... Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa - por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. W.S.
 
Tiramos o valor das pessoas e valorizamos as coisas, nosso coração é tão mal que não sabemos receber nenhuma palavra de carinho.
O amor já não é tido como sentimento é visto como uma batalhada a ser vencida, um jogo, que vença o melhor, sempre soube que o amor de “quase todos se esfriará”, mas existem pessoas tão frias que dá medo de se aproximar e ser congelado também, o amor é tão simples, é só amar!
Descaracterizamos até a poesia, aquela pura, que nasce na hora certa de forma sublime e inviolável e passamos a escrever impulsos de ira e maldade.
Sem lembrar que tem alguém lendo, alguém pode estar precisando apenas de uma palavra que o anime.
Poeta agrada poeta, difícil é agradar o leitor.
Dê amor, valorize seu semelhante, valorize seu talento, não desista das pessoas, só porque elas não são ou não é o que você espera, talvez você não encontre quem te ame tanto quanto a pessoa que você despreza, e se você  perder não haverá quem possa lhe devolver.
Antes de julgar ser a pessoa invalida, errada, infiel, ouça o outro lado da história, sempre tem dois lados, sempre! Se depois de ouvir ainda achar errado, julgue, condene e esqueça, mas antes, ouça e você verá que tudo pode não ser nada do que você pensa.
Quando perdi meu pai conclui, não haveria mais nada o que perder, meu sofrimento não o trouxe de volta, mas, ganhei experiência, não me perca.
Sei o valor das pessoas, sei o quanto são importantes para mim e imagino a importância de cada um para Deus.
Valorizo muito os senhores e senhoras, mesmo sabendo que não podem me suprir de experiências, retenho o que é bom, eles com certeza já ensinaram a muitos, que de seu amargor só podem amargurar.
 
Vamos refletir, porque aquilo que plantarmos aqui, aqui colheremos.
Pode ser que no dia em que você precisar ouvir um “Você é importante para mim” não haja ninguém para te dizer. não me perca.
Vivo meu Apocalipse particular, de amar, de amor, de dor, todo dia é novo para mim, todo mundo me ver, porém não imaginam a proporção do sofrimento em meu Ser.
Amigos existem principalmente se você tiver dinheiro, saúde, beleza e uma certa palavra de carinho.
Quando isso acabar, esteja preparado (a) para ficar sozinho (a)
Não há nada mais importante que o Amor, o amor tudo suporta, tudo crer, tudo espera.
Se não é amor o que você tem para dar, não dê nada, palavras vazias não surtem efeitos em corações partidos...
Não perca ninguém!