O que ficou em mim
Maria Antônia Canavezi Scarpa
O que ficou em mim, depois da juventude
senão lembranças e mais lembranças
que o tempo se encarregou de misturar
na minha vida quase como um tempero apurado
guardado hermeticamente, para ser usado
em pequenas e ínfimas doses, todas as vezes
que eu me vestisse de saudade
O que registrei em papéis permanecem vivos
mas envelhecidos, tais como papiros esmaecidos
muitas das minhas histórias ficaram sem fim
sonhos tricotados até um ponto
porque acabaram-se as linhas para continuar
e um vácuo foi se formando
tornando um pouco mais cruel essa passagem
com uma leveza que o tempo predador
teimosamente me obrigou a partilhar
Não tenho como reconstituir
com veracidade a minha juventude
que naquela época em momento algum
me vi sem o amanhã
e hoje mais sábia sei que tive o ontem, tenho o hoje
mas não sei se o terei
ainda que todos nós seres humanos
possamos usar de um livre-arbítrio
há em mim um medo de apodrecer
fenecer como as árvores e as flores
Não me obriguem por favor
dizer que enfrento toda essa mudança
com aceitação e coragem
talvez pelo fato de ter mutilado uma grande parte
dos meus mais lindos sonhos
ficou guardado dentro das minhas entranhas
um desejo magoado, latejando
fingindo ser leniente
e com toda razão ardiloso