O que ficou em mim

Maria Antônia Canavezi Scarpa

O que ficou em mim, depois da juventude

senão lembranças e mais lembranças

que o tempo se encarregou de misturar

na minha vida quase como um tempero apurado

guardado hermeticamente, para ser usado

em pequenas e ínfimas doses, todas as vezes

que eu me vestisse de saudade

O que registrei em papéis permanecem vivos

mas envelhecidos, tais como papiros esmaecidos

muitas das minhas histórias ficaram sem fim

sonhos tricotados até um ponto

porque acabaram-se as linhas para continuar

e um vácuo foi se formando

tornando um pouco mais cruel essa passagem

com uma leveza que o tempo predador

teimosamente me obrigou a partilhar

Não tenho como reconstituir

com veracidade a minha juventude

que naquela época em momento algum

me vi sem o amanhã

e hoje mais sábia sei que tive o ontem, tenho o hoje

mas não sei se o terei

ainda que todos nós seres humanos

possamos usar de um livre-arbítrio

há em mim um medo de apodrecer

fenecer como as árvores e as flores

Não me obriguem por favor

dizer que enfrento toda essa mudança

com aceitação e coragem

talvez pelo fato de ter mutilado uma grande parte

dos meus mais lindos sonhos

ficou guardado dentro das minhas entranhas

um desejo magoado, latejando

fingindo ser leniente

e com toda razão ardiloso

Tília Cheirosa
Enviado por Tília Cheirosa em 10/06/2007
Código do texto: T521380
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.