MEMÓRIAS

Eu já fui uma menina,
que inda bem pequenina,
teve uma boa vizinha,
que nasceu em Pernambuco.
Ela soprava a brasa
e ria, muito engraçada,
enquanto "puxava" o pito
e ainda servia suco
na varanda, em frente à casa.
-Lembrar, eu nem acredito!

Me fez boneca de pano,
com as saias de cetim
e um xale de crochê,
colorido, bem gitano,
pra enrolar minha boneca,
ela preparou pra mim
(e também uma peteca).
Punha meias na bacia,
que eu podia esfregar,
enquanto mamãe não via.

E a cocada, era então
um completo ritual.
Cortava o "pé de mamão",
abria ali no quintal;
retirava a polpa branca,
eu junto a ajudar,
ouvindo a risada franca,
sem parar de desfiar
a polpa toda do coco
e a do mamoeiro oco.

Lá comia manga verde,
um pecado trivial...
e passeava no pomar,
juntinho a duas araras
e um louro pra conversar.
Fazia uma carne assada,
usando umas ervas raras.
( Eu nunca fiz nada igual,
embora cozinhe bem,
jamais a vi igualada).

De vez em quando deixava
que eu entasse no seu quarto,
onde então, eu me encantava
co'as toalhas bem branquinhas
e os segredos- meu recato
ao ver as suas caixinhas
cheias de brincos, colares
e as fitas de cabelo,
que guardava com desvelo
longe de quaisquer olhares.

E hoje, quando me vejo
fazendo tanto repente,
com as idéias brotando,
nessa força tão premente,
a resposta vem cantando
do fundo da minha mente:
Pode ser que me embalando,
ao me tratar como filha,
a canção que ela cantava
era feita em redondilha.