O engenho
O ruído trepidante do engenho,
que rompia a madrugada,
alternava-se com o som cavo
das águas da cachoeira,
que, enquanto o Sol não aparecia,
deslizavam na rocha fria.
E de tempos em tempos,
o mugido das vacas em ordenha
bem próximo se ouvia.
O barulho que o engenho fazia
prenunciava sempre
doces e felizes dias.
Tudo isso ainda ouço,
pois está bem guardado
na memória de minhas lembranças.
E as imagens vão se formando como figuras
que um calidoscópio cria.
Ouço ainda mamãe insistindo
no nosso desjejum.
Mas tínhamos sempre muita pressa
para aproveitar todos aqueles dias.
E com um pedaço de bolo de fubá nas mãos
descíamos correndo as escadas.
O gosto da garapa
no meio da espuma branca,
aquela última que escorre,
entre cada intervalo;
que é mais limpa,
sem pedacinhos de cana.
E saber precisar este instante,
era muito simples para nós.
E a canequinha se erguia,
exatamente neste momento,
antes que um grande volume,
despencasse lá de cima.
Os rostos suados em volta do tacho
ou circulando o cocho.
A pá que batia incansavelmente,
fazia o melaço clarear.
E aquele cheiro gostoso
ia exalando dos tachos.
A cuia com água fria
aparava porções de melado
para saber precisar
o ponto da rapadura.
Ao mesmo tempo outras cuias
imediatamente surgiam,
sustentadas por mãozinhas ansiosas,
pra mergulhar na água fria
e pegar a famosa “puxa-puxa”
que grudava nos dentes
no mais divertido sabor.
Depois era a rapa do cocho,
bem morninha e muito tenra.
Ou o pedaço mais macio da cana,
descascado com os próprios dentes,
e o movimento contínuo
de apertá-los com força
trazia dores no queixo.
Mas a tentação daquele sabor
fazia ignorar a dor.
E o excesso de caldo de cana,
escorria pelos cantos da boca.