RÉQUIEM PARA UMA CHURRASQUEIRA
De um zinco de telhado
por um temporal arrancado,
alguém de ideia matreira
cortou, logo, quatro lados
que, depois, bem enjambrados
viraram uma churrasqueira.
Traste que se arma depressa,
não precisa de revessa
p'ra cozinhar o alimento.
Parece peça de um jogo
que guarda o campo do fogo
e resguarda o fogo do vento.
Desmontada, fica chata
como uma folha de lata,
cabendo em qualquer lugar.
Pois a churrasqueira de que ouviste
tem uma história bem triste
que eu, agora, vou contar.
Foi feita p'ra pescarias,
companheira de alegrias
que jamais fez um fiasco.
Alegria de quem come,
sempre matou nossa fome
assando nosso churrasco.
Em silêncio sempre imersa,
escutava nossa conversa
enquanto queimava o carvão.
Mas parece que falava
quando a chaleira chiava
a água p'ra o chimarrão.
No seu pequenino espaço
era um quente e amigo abraço
pra quem chegasse friorento.
Ali! Cravada no chão
que nem fosse um coração
batendo no acampamento!
Embora sem nos darmos conta
- a coitada! - sempre pronta,
mesmo quando ao nosso lado
chorava na cinza fria
a tristeza que sentia
por ter, o fogo, apagado.
Pois essa tal churrasqueira
que passou a vida inteira
a nos dar fogo e calor,
agora já é um velho traste
do qual nunca reparaste
a utilidade e o valor.
A ferrugem tirou-lhe o jeito,
já não se apruma direito,
um grampo levou sumiço...
é puro buraco e fresta,
de modo que já não presta
p'ra executar seu serviço.
Destrambelhada, já torta,
tal qual uma coisa morta
foi seu destino o abandono.
O homem, por ser ingrato,
deixou-a à beira de um mato
como a um cachorro sem dono.
Esses versos que lhe escrevo
são a paga do que lhe devo
e uma espécie de oração
- um ofício de defuntos
que nós rezaremos juntos
ao lembrá-la no coração.
Talvez, numa pescaria,
em noite de intensa magia,
entre sombras e luar,
por artes de algum encanto
o vento traga o seu pranto
chegando de algum lugar...