Com Modigliani
O italiano entrou na noite
Bonito, sedutor e cheio de alegria.
Seus passos formavam notas musicais
Com uma garrafa de vinho nas mãos
Já se notava o jeito embriagado.
Eu estava sentada no banco
Esperando um táxi.
Ele então se sentou ao meu lado
Onde somente a lua iluminava o cenário.
- Vejo que você tem um belo rosto. - Disse.
E depois do comentário, tirou o cigarro do paletó
Pegou o isqueiro e acendeu.
- Obrigada. - Eu disse.
- A moça sabe quem sou?
- Modigliani.
- Muito bom. - Ele sorriu.
- Como não saber de um homem que adora se embriagar por aí?
Ele bebeu um gole da garrafa de vinho e depois deu risada.
Em seguida, colocou o cigarro na boca
E continuou olhando para mim.
- Gostaria de pintá-la, posso?
Ele apontou o indicador para meu pescoço
- Você tem uma paixão em pintar mulheres, não é?
- Sim.
- Qual motivo de tanta paixão?
- Porque o futuro da arte está no rosto de uma mulher.
- E suas mulheres são sempre pescoçudas?
- Não, esse é meu jeito de expressar como elas são para mim.
Ele riu e eu também. Mas havia algo mais.
- Tome. – Ele tossiu umas três vezes.
Pegou um papel e me entregou.
- Apareça amanhã em minha casa que eu quero pintá-la.
Modi levantou-se e saiu cantarolando.
Numa mão a garrafa de vinho
Noutra o cigarro.
O táxi chegou e eu fui embora.
No dia seguinte bati em sua porta.
O pintor trazia em seu pescoço um avental
Estava cheio de tinta.
- Entre. – Disse sorridente.
A casa era modesta.
Cheia de quadros.
Muitos rostos de mulheres
Muitos corpos nus de mulheres.
Olhei para uma que me chamou atenção.
- E esta com os olhos fechados?
- É Jeanne. - Disse firmemente.
Esperei ele continuar.
- Eu disse a ela que um dia pintaria seus olhos...
Ele silenciou.
Pediu que eu sentasse em uma cadeira de madeira
Que deixasse meu pescoço à mostra.
Fiz o que pediu.
Ele sentou numa mesa à minha frente
e ficou me olhando.
Cantarolava de boca fechada.
Chegou perto de mim
E me ajeitou do jeito dele.
- Agora fique assim bela moça, vou pintá-la.
Ele começou.
Fiquei imaginando o que ele estava pensando.
Suas mãos se mexiam levemente pela tela.
Modi mostrava-se sempre feliz
Mas seus olhos traziam um mar de tristeza.
Que ele preferiu esconder.
Ele preferiu viver o lado bom da vida
Mesmo tendo muitos vícios.
Depois de algum tempo
Ele virou a tela para mim.
- O que você acha?
Seu sorriso era determinado
E consciente de que a sua arte estava boa.
- Maravilhoso, e meu pescoço está maior.
Ele me olhou soslaio e trazia um sorriso no canto da boca.
- Obrigada, quanto lhe devo?
- Nada.
- Me deixe pagar, por favor?
Ele pensou um pouco
Colocou suas mãos acima da cabeça
Cheias de tinta e deu uma gargalhada.
- Me pague uma garrafa de vinho!?
- Modigliani!
Nós dois rimos.
- Antes que eu morra, por favor!
Aquilo me deixou em estado de alerta.
- Como assim?
- Eu tenho tuberculose, logo já vou.
- Mas então é suicídio você ficar bebendo, fumando...
- Não ligo. O álcool me faz até escrever poesia.
Ele riu ironicamente, como se o assunto não fosse sério.
- Você é muito louco!
- O velho Renoir disse que sou louco.
- Ele tem toda razão!
Modigliani parou de sorrir e respirou com dificuldade.
- Mas o que se passa em sua cabeça? - Perguntei.
- É uma questão abstrata, e isso ninguém sabe.
Paguei uma garrafa de vinho a ele.
Modi estava em seu pleno estado de loucura.
Não se importava em fazer o que queria, pela saúde.
Passaram-se muitos meses depois daquele dia.
Eu não tinha o visto mais.
Numa noite, estava no mesmo banco
Esperando um táxi.
E para minha surpresa Modigliani apareceu.
- Amanhã terá uma exposição de muitos pintores
Ele disse, olhando-me firme com o cigarro na boca.
- E você vai estar lá?
- Sim.
Ele me disse onde era e foi embora.
Esse homem parecia um fantasma
Aparecia do nada e sumia do nada.
No dia seguinte fui ao local
Estava cheio de gente
Muitas pessoas bonitas
E bem vestidas.
Até vi Picasso com sua esposa.
Haveria de ter um quadro dele ali.
Os quadros estavam tapados.
Olhei ao redor e nada de Modigliani.
Um homem gordo começou a mostrar
Todas as pinturas.
Picasso havia pintado Modigliani.
Achei muito lindo o sentimento ali retratado.
A última foi de Modi.
Era Jeanne, com os olhos bem abertos.
Eu senti vontade de chorar com a poesia do quadro.
Cena tão bela da Jeanne Grávida!
Com as mãos no colo
Mas carregava olhar triste para o lado.
Usava um vestido azul.
Uma lágrima caiu do meu rosto.
Tinha sempre algo em seus quadros
Era como máscaras sem qualquer emoção.
Um incentivo à interpretação do seu mundo.
Algo que sua alma não revelava verbalmente.
Ao sair do meio da multidão
Vi Utrillo e Soutine adentrarem o espaço
Foi então que eu os ouvi falar o nome de Modigliani.
Com as faces tristes e marcando inquietação.
Eu logo entendi o que estava acontecendo.
Fui para casa naquela noite numa tristeza sem fim.
Com muitas lágrimas escorrendo por minha face branca.
Ao chegar perto do portão de casa
Algo despertou minha atenção.
Vi um quadro e
Um bilhete pendurado que dizia adeus.
Era a pintura que Modigliani fez de mim.