BRANCA BONECA
Branca boneca porcelana pura,
Olhar de almirante, brinquedos sem valor
Perfil renascentista, boca rosa molhada
Humor vespeiro que estranhava seu senhor.
Pesinhos claudicantes gostavam das alturas
Bolo de barro, suco de taioba, casa na árvore
Mãozinhas de gigante amassavam gostosuras.
Magra baliza em desfiles de rua
Camisa sete nas andorinhas,
No riacho às escondidas, fotos nua.
Arcos vermelhos, bambolê e amarelinha,
Frevo, bastão e asas de borboleta
Em versos sabida como criança
De cor preferia azul violeta.
Mocinha ligeira, cabelos em trigo
Vendia sapatos, seguia perdida
Sozinha na vida exposta a perigo.
Um lobo voraz escutou sua batida
Roubou dessa moça um pedaço da vida.
Tempo remoto passou sem piedade
Forjada no fogo, algoz liberdade.
Feridas aos montes, sem sono e sem sol
Faminta de sonhos, pão e amor
Marchava em ruinas seguindo um farol
Olhava de frente o deserto e a dor.
Mascava baratas, farinha e geleias
Espinhos nos pés, nas mãos e nas costas
Em selvas diárias vencia alcateias.
Das cinzas nasciam verdades e cruz
Lia a cigana um destino sete passos ao norte
Estreito é o caminho de quem quer ser luz
Magia e pimenta perfumavam a sorte.
Gostava de mar, de sombra e de gargalhada
Descalça no jardim margaridas em plantio
Espiava do céu fresca chuva e orvalhada.
Esculpido o amor nas horas nuas
De surpresa duas almas em aliança
Arrebatava o coração da branca moça
Prisioneira em sete infernos, sem fiança.
Fugia o tempo em sete notas de vida em dó
Mas o amor do dia nu por sua noiva
Adormecia esperando a lua só.
Sete vezes sete notas ecoavam
A ampulheta sete misérias expurgava
Sete medos vencidos vaticinados
A moça jovem em mulher se transformava
Ecoava o som do amor e do clarim
Sete contos, sete sonhos, sete vidas
Preciosas com você nascendo em mim.