Bonecas

Uma palavrinha de introdução sem pretensões

Como é bom recordar.....quem recorda vive a magia do seu tempo de criança.

Tive a sorte de ter brincado em criança, de ter desenvolvido o meu imaginário com as coisas simples da vida.,Com bonecas de compra e com muito do que eu inventava.

Eu penso que qualquer criança consegue através do seu imaginário criar e recrear situações lúdicas e afectivas, independente de terem bonitos brinquedos de compra.

Penso que hoje se exagera muito.....a criatividade pode estar posta em causa....

Os brinquedos construídos por elas próprias são os mais adorados e os que melhor vão satisfazer os seus interessas.

Minha mãe, que nasceu e foi crescendo numa fazenda, propriedade dos pais, contava que as bonecas dela eram feitas do carolo do milho e canas e ela depois, confeccionava-lhe vestidos, chapéus e lenços. Disse-me que nunca teve uma boneca de compra e que o primeiro dinheiro que ganhou, comprou uma boneca de louça mas colocou-a sobre a almofada da cama. Apenas brincava com as que ela fazia. Essas sim eram as que para ela tinham vida, que correspondiam aos seus interesses lúdico/afectivos.,Ela construía os seus brinquedos brincava às casinhas com as coisas da casa com o que tinha próximo, à mão. Os irmãos faziam carros de rodinhas do mesmo modo, com o que tinham ao dispôr e todos brincaram a seu jeito.....

Outra nota: A maninha era a minha irmã mais nova. A Constantina a empregada da casa (governante, muito mãe e conselheira) A Zé a ama da minha irmã, entrou naquela casa quando ela nasceu.

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As bonecas

Eu tive bonecas...sim! Lindas bonecas.

De corda e de algodão.

De louça de pau

e até de papelão.

Sim ...bonecas daquelas...

De olhos parados.

Pintados, rasgados.

Sempre abertos,

fixos e espantados.

Mas é que

Pareciam mesmo gente???

E tive tambem outras,

que abriam e fechavam

grandes olhos pestanudos...

Eram olhos de vidro.

Luzentes, brilhantes.

E todos muito azuis.

Sim... eu tive bonecas.

Ursinhos e bonecos também.

Uns grandes.

Outros pequenos.

Bébés meninas e senhoritas.

Principes e cavaleiros.

Mas as bonecas

Me encantavam mais.....

Umas tinham cabelo,

que eu adorava pentear.

E outras sem cabelo.

Umas tinham o corpo de pano,

cheio de palha ou algodão.

E a cabeça era linda de louça.

E os olhos mexiam...mexiam.....

e caiam para dentro...

de tanto eu as abanar

e tinham que se ir curar....

ao hospital das bonecas...

Mas das que eram feitas de papelão....

Guardo triste recordação.

Ah essas coitadas..

Quando eu lhes dava banho,

com muito carinho, muito jeitinho.

Num baldinho vermelhinho.

Com água morninha,

e sabonete perfumado.

Desfaziam-se nas minhas mãos.....

E eu acabava chorando de aflição.

Porque era dessas que eu gostava mais.

Porque elas eram do tamanho

da minha maninha pequenina.

Mas... havia também as de celuloide

E outras e outras ainda.

Umas eram articuladas

Pegava-lhes na mão

E elas caminhavam...

E tambem tinha daquelas que choravam..

E as que apenas murmuravam.

E as que a minha avó Rita me dava?

Essas eram feitas de pano.

Comprava-as na feira

e nas romarias.

Era lá que se vendiam,

e eu gostava muito delas.

Eu tive bonecas.

Muitas bonecas.

Elas povoavam

meu mundo do faz de conta...

Elas compreediam-me...

Eu compreendia -as...

E até falava com elas..

Contava-lhes segredos.

Os meus segredos de criança.

Contava-lhes histórias

para as adormeçer....

Depois ...eu tambem tinha.

aquelas roupinhas.

com que as vestia.

Vestidos de passear

De dormir e de ir á praia.

Lindos bibes como os meus.

com laços fitas de enfeitar.

Para lhes pôr na horinha

Em que as estava a preparar....

.

Tinham sapatinhos e botinhas

e não faltavam lindos chapéus....

Desses de enfeitar...

e para o sol tapar...

Depois... havia também...

Panelinhas, caçarolas,

chávenas e colheres.

Copos e lindos pratinhos,

cadeirinhas e mesinhas

e caminhas de nanar.

E até uns sofazinhos.

Um guarda fato com espelho.

Ah! que já me ia esquecendo...

e uma máquininha de costura

com rodinha de girar.

há! e tambem um fogão

claro de brincar.

Igualzinho aquele,

onde a Tina andava a cozinhar

os seus belos manjares.

E assim ....no meu fogãozinho de latão

Com terra cal e pó de tijolo

Com ervinhas do quintal.

Eu fazia comidinhas

para as minhas bonecas paparem.

Porque da cozinha.

Eu nada podia tirar.

Mas, tambem não me importava.

Porque assim...sempre que me apetecia,

ia á mercearia do quintal.

Trocar meu dinheiro de pedrinhas e papel

E aquela lojinha tinha de tudo.

Era mesmo ao lado do galinheiro.

Por debaixo do pinheiro.

Que melhor eu podia arranjar....

Às vezes a Constantina, lá me dava

um bocadinho de açucar,

para o chá adoçar....

Dessas vezes ela vinha também brincar.

Trazia o chá já feito...

Uns bolinhos saborosos...

Para nos deliciar.

Entrava na brincadeira.

dançava e cantava.

E com minhas bonecas conversava.

Minha maninha vinha também.

Ela era sempre a filha

e eu a mãe...

Entrava na brincadeira...

Sentada numa cadeira.

Mas era uma confusão...

Pegava em tudo

levava à boca e

deitava para o chão.

A Zé que era a ama dela...

levava-a, toda emproada..

E a maninha zangada,

gritava ...gritava...e esperneava.

A Constantina acalmava aquela tragédia

e adormecia a maninha no colo dela....

Meu cantinho das bonecas.

Era o meu mundo de encantar.

E era ali que eu gostava de estar.

Com todos os meus brinquedos.

Meus amigos lá do prédio.

minhas primas/irmãs ....

Meus livros e histórinhas.

Que muito me encantavam...

Às minhas bonecas..

contava-lhes histórias.

Lia livros para elas.

E até eu adormecia,

adormecendo-as a elas.

Com uns paninhos.

Que eu chamava lençoizinhos.

Lindos e arrendados.

E até com bordados.

Que eu ia procurar.....

Ao cesto da roupa de lavar.

ou à gavetas da mãe...

Tapava-as....devagarinho..

Fazia-lhes uma dobrinha.

Mesmo assim.

Juntinho ao pescoçinho delas.

Era a dobrinha.

Do lençol de faz de conta.

Depois...suspirando fundo

Porque eu era sempre a mãe...

Cansada de ser mãe....

Porque isto de ser mãe cansa.

Dava-lhes um beijinho de boa noite,

e dizia-lhes, que Jesus

estava ali para as guardar.

Do papão comilão,

e da bruxinha malandrona.

que gostavam de assustar..

Mas eles iam-nos visitar!.

E brincar..

A bruxinha,

levava a nossa vassoura

e lá ia a voar.

Caia dentro do galinheiro

espantava as galinhas

que estavam no poleiro...

e ficava tantas vezes pendurada

nos galhos do pinheiro...

mas era uma risada

para a criançada.

O papão deitava-se

Debaixo do pinheiro

a dormitar...

é que ele era guloso

comia os bolinhos todos...

Há como eu tenho saudades

desse tempo de faz de conta....

Em que calçava sapatos da mãe.

Vestia as roupas bonitas

que ela tinha para sair.

Enfeitava-me com chapéus.

Que cobria de flores.

E com lidos colares .

Pintava as unhas dos pés.

E os lábios de batom.....

punha pó de arroz

e rouge para dar tom.

....e, das minhas bonecas

de papelão e de todas as outras

que estão aqui...

guardadas no meu coração......

Mas.........é que eu ainda não perdi o gosto

De brincar....como em criança......com as minhas bonecas......

De: Quando eu era criança

Da T,ta 2006

De Pedacinhos de mim (coletânea poética)

Tetita ou Té
Enviado por Tetita ou Té em 27/04/2007
Reeditado em 11/05/2007
Código do texto: T465916
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